No final de 1993, quando se esperava que o Congresso pós-impeachment iniciasse uma onda de moralização, um verdadeiro furacão levantou outro caso de corrupção: as negociatas feitas em torno do Orçamento da União. A manipulação dos recursos era feita por um grupo de deputados que centralizava o trabalho e atingiu em cheio o Parlamento. De empreiteiros, eles cobravam propina para incluir previsão de recursos para as obras. De prefeitos, exigiam pedágio para ajudar na liberação dos recursos. Por serem quase todos de baixa estatura, entraram para a história como os “anões do orçamento”. As irregularidades foram reveladas pelo ex-chefe da Assessoria de Orçamento do Senado, José Carlos Alves dos Santos. Ele desmontou o esquema, foi preso e acusado de assassinar a esposa, Ana Elizabeth Lofrano, que ameaçava denunciar os podres da máfia. Na casa dele foi achada uma mala com mais de US$ 600 mil.

Quase dez anos depois, José Carlos amarga uma vida no limbo. Não frequenta mais as festas da corte, aposentou-se, mas teve o benefício cortado pelo Senado. Hoje, vive em liberdade condicional. Mas, ao contrário do que ocorre com a CPI do PC, onde os personagens começam a revelar bastidores, muitos segredos dos anões continuam guardados. José Carlos se nega a falar sobre o assunto. Conta apenas que ainda tem muitas informações sigilosas. “Durante todo o tempo em que estive preso, lembrei de muita coisa, mas não posso falar. É o meu seguro de vida.” Por que o ex-assessor tem medo? A resposta é direta: “Eles são muito poderosos.” José Carlos acredita que guardar os segredos preserva sua integridade. Mas garante que, se algo lhe acontecer, os envolvidos, principalmente os que saíram impunes, vão ficar em situação difícil com as informações registradas em dossiês espalhados entre seus amigos.
Os deputados Sérgio Guerra (PSDB-PE) e José Carlos Aleluia (PFL-PE) estão entre os parlamentares citados por José Carlos Alves como integrantes do esquema da corrupção do Orçamento e que foram inocentados pela CPI, aberta diante da gravidade das denúncias. Mas o fato de o relator, deputado Roberto Magalhães (PFL-PE), tê-los inocentado gerou suspeitas na época. Falava-se em uma troca.

agalhães teria aceitado livrar o correligionário Aleluia se em troca seu partido aceitasse liberar o conterrâneo Sérgio Guerra, que à época era filiado ao PSB. Mas, apesar das denúncias, ambos negam a existência do acordo. “Eu fui inocentado porque não havia nada a investigar contra mim”, afirma o pernambucano. Raciocínio seguido pelo baiano.
Foram investigados 37 parlamentares. No final, Magalhães pediu a cassação de 18 companheiros. Mas apenas seis foram para a degola: Carlos Benevides (PMDB-CE), Fábio Raunhetti (PTB-RJ), Feres Nader (PTB-RJ), Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), Raquel Cândido (PTB-RO) e José Geraldo (PMDB-MG). Quatro renunciaram antes: o chefe do bando, João Alves (sem partido-BA), Manoel Moreira (PMDB-SP), Genebaldo Correia (PMDB-BA) e Cid Carvalho (PMDB-MA). Oito foram absolvidos: Ricardo Fiúza (PFL-PE), Ézio Ferreira (PFL-AM), Ronaldo Aragão (PMDB-RO), Daniel Silva (PPR-RS), Aníbal Teixeira (PTB-MG), Flávio Derzi (PP-MS), Paulo Portugal (PP-RJ) e João de Deus (PPR-RS).

Após a CPI, o Congresso implantou uma série de normas para controlar as emendas parlamentares. Propostas individuais, antes livres de qualquer amarra, foram limitadas em número e em valor. Somadas, não podem passar de R$ 2 milhões. Para democratizar as discussões, as emendas graúdas passaram a ser submetidas à votação de toda as bancadas. No entanto, nada disso impediu a produção de novos casos
de roubalheira, como o desvio de R$ 169 milhões no prédio do TRT de São Paulo. Por cinco anos, a despeito das denúncias de ilegalidades e superfaturamentos, os parlamentares paulistas reservaram milhões à obra. O Tribunal de Contas da União – responsável por fiscalizar a aplicação dos recursos – demorou sete anos para condenar a obra. “O processo de elaboração do Orçamento melhorou, mas não barrou esquemas de intermediação de emendas”, diz o deputado Sérgio Miranda (PCdoB-MG), um especialista em escarafunchar as mazelas orçamentárias.

Os esquemas de produção de propina a partir de verbas públicas são variados: fundações e empresas em nome de laranjas de deputados, senadores ou executivos dos governos locais recebem verbas públicas; prefeitos e parlamentares desviam recursos de emendas destinadas a suas cidades para campanhas políticas; empreiteiras pagam pedágio a autoridades do Executivo e Legislativo em troca da liberação de verbas. “É difícil impedir este tipo de coisa. São casos que envolvem uma relação direta entre o parlamentar e a empreiteira”, reconhece o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), outro crítico do processo orçamentário.
 

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