Guardar uma amostra do cordão umbilical logo após o nascimento pode ser um valioso plano de saúde. Em pouco mais de um ano, 320 casais no Rio de Janeiro e quase uma centena em São Paulo optaram pelo congelamento como precaução para tratar eventuais doenças futuras. O aumento da procura e o surgimento de novos bancos de cordão levaram a Vigilância Sanitária a elaborar uma portaria, que será publicada ainda este ano, para regulamentar a prática.

Os benefícios das células do umbigo ficaram conhecidos no ano passado, quando foram tema da novela global Laços de família. Na história, a personagem vivida pela atriz Vera Fischer engravidava para, com o sangue do umbigo do bebê, salvar a vida da filha com leucemia. O número de pedidos no hospital paulistano Albert Einstein no período saltou de 20 para 90.

O congelamento para fim particular exige um contrato assinado pela família e o pagamento de uma taxa salgada. A empresa carioca Cryopraxis cobra R$ 2,6 mil de entrada e R$ 300 por ano. Foram os americanos que inauguraram, em 1992, a versão privada do banco de sangue umbilical. Nunca a expressão “olhar para o próprio umbigo” ganhou sentido tão literal. No mundo, China e Inglaterra oferecem o serviço pago. Já a União Européia optou pela doação e não armazena sangue para uso próprio.
O chefe do Banco de Sangue do Instituto do Câncer, Luiz Fernando Bouzas, alerta para as implicações éticas. “A Constituição prevê que o sangue é patrimônio público. Se as pessoas guardarem para si mesmas, como fica quem precisa de doação?”, questiona Bouzas. O médico organiza uma rede de bancos de sangue que pretende, em dois anos, ter 18 mil amostras de cordões umbilicais. “Esse inventário permitirá atender a diversidade étnica brasileira”, diz.

O cordão umbilical e a placenta que sobram do parto são fontes das células-tronco, as células camaleônicas que, ao evoluir, se especializam formando diferentes tecidos humanos, de neurônios a células do coração. Na teoria, elas seriam usadas para se transformar em outras células do corpo, regenerando órgãos inteiros. As promessas são muitas, mas na prática os pesquisadores não sabem como “guiar” o desenvolvimento desses camaleões biológicos. Hoje, elas só podem ser usadas no combate à leucemia. As células do umbigo oferecem menos chance de rejeição. Enquanto o transplante de células da medula exige 100% de compatibilidade entre receptor e doador, para o sangue do cordão bastam 60% de semelhança, ou seja, ele atende a um número maior de pessoas.

“Só fiquei sabendo dessa possibilidade na segunda gravidez”, diz a psicóloga paulista Sandra Rodrigues, que deu à luz em agosto a menina Cecília e congelou seu cordão. Sandra reclama que, se soubesse há mais tempo, teria congelado o sangue do filho mais velho, Fábio, de seis anos. Antes de tomarem a decisão, ela e o marido, o engenheiro Walter, avaliaram o impacto do investimento no orçamento familiar. “O custo é alto, mas fica pequeno quando olhamos para o futuro. Nosso arrependimento não teria preço”, diz Sandra.

Em São Paulo, no hospital Albert Einstein, o congelamento do sangue umbilical para uso particular só é feito com indicação médica, ou se a paciente solicitar. Para guardar o cordão umbilical no hospital é preciso desembolsar R$ 3,6 mil e R$ 400 de anuidade. A coleta é feita no momento do parto, o sangue é congelado à temperatura de -196oC e resiste por até meio século.

Respeitada geneticista, a professora Lygia da Veiga Pereira, da Universidade de São Paulo, está no quinto mês de sua primeira gravidez e não tem dúvidas do destino do sangue de seu bebê: o freezer. “Os avanços científicos são rápidos e num futuro próximo essas células serão usadas para tratar problemas cardíacos e traumas de medula”, diz ela. “É um seguro que você torce para nunca usar”, completa. A chance de precisar dele é pequena: a leucemia afeta uma pessoa em 100 mil. A cura de outros males, como hepatite, diabetes e Parkinson, ainda depende dos avanços da medicina nas próximas décadas.

O primeiro caso de transplante de medula a partir de sangue congelado e extraído do próprio cordão umbilical é brasileiro. Em 1998, quando nasceu a menina paranaense Gabriela de Medeiros, seu irmão mais velho, Guilherme, se tratava da leucemia. Os médicos aconselharam o congelamento do cordão de Gabriela para o caso de seu irmão precisar de um transplante. Guilherme se recuperou, mas dois anos depois a garota teve um tumor na medula. Ela foi tratada com o sangue de seu próprio umbigo e sarou. “Foi mais do que ganhar na loteria. Fui abençoada”, diz sua mãe, a professora de informática Margarete Medeiros.