Acostumado a viver situações incomuns pelo Brasil afora, o fotógrafo carioca Celso Oliveira passou um tremendo susto ao retratar um homem que caminhava em sua direção na cidade de Cruzeiro do Sul, nos confins do Acre. Munida de um enorme facão, a figura partiu para cima do carioca com a intenção de eliminá-lo da face da terra. O pobre homem era um louco varrido e o confundira com um policial federal. “Quando ele estava a sete metros, percebi que a coisa ia ficar feia. Abri então minha pochete e ele bateu em retirada, achando que eu ia tirar uma arma”, lembra. Oliveira e mais quatro colegas de profissão, o paraibano Antonio Augusto Fontes, o paulistano Ed Viggiani, a paraense Elza Lima e o cearense Tiago Santana, também colecionaram aventuras, não tão violentas, mas todas retratadas no livro Brasil sem fronteiras (tempo d’imagem, 216 págs., R$ 80). São relatos sintéticos e reveladores, estampados em 100 fotografias em preto-e-branco
que esquadrinham os limites do País num ambicioso trabalho
de documentação.

O projeto levou quatro anos para ser concretizado, período no qual cada fotógrafo realizou em média cinco viagens por 42 cidades, registrando nas cerca de 45 mil fotos a vida dos habitantes de regiões remotas, muitas delas marcadas pelo tráfico e pelo contrabando. Oliveira, por exemplo, escolheu a linha fronteiriça do Peru, da Bolívia, da Colômbia e da Venezuela, centrando-se no Estado do Acre. “Há mais de 15 anos venho fotografando estas regiões limítrofes e pretendo continuar. Não é um trabalho que vende aquela coisa exótica, da beleza exacerbada da natureza”, diz. Em Macapá, ao retratar um garoto sentado num barco, flagrou-se revisitando o mestre Pierre Verger, numa das melhores imagens entre as
suas 20 selecionadas.

Elza Lima, que se limitou à zona cortada pelo rio Trombetas e pelo rio Mapuera, no Pará, chegando até a Guiana Inglesa, preferiu compor cenas misturando homens e bichos. Numa de suas fotos preferidas, feita às margens do Trombetas, ela reuniu crianças na areia, tendo em primeiro plano uma borboleta e um peixe, manipulados como num teatrinho de fantoches. “Esta relação do homem com o animal me fascina, por isto minhas fotos são esta verdadeira arca de Noé”, brinca.

Mais interessado na paisagem, Antonio Augusto Fontes explorou o horizonte aberto dos pampas, documentando os limites com o Paraguai, o Uruguai e a Argentina. “Na maioria das fotos, me concentrei nos marcos geográficos das pontes e nos vestígios históricos das estátuas. Gosto de fuçar lugares que ninguém dá importância”, explica. Um bom exemplo é o retrato de um homem de guarda-chuva diante de duas pontes, feito em Barra do Quaraí, Rio Grande do Sul, foto dramática que o jornalista e escritor Cláudio Bojunga apropriadamente associou, no texto de abertura do livro, às melancólicas gravuras de Oswaldo Goeldi. O sul foi igualmente esquadrinhado pelas lentes de Ed Viggiani, que, a partir da turbulenta vizinhança do Paraná com o Paraguai, chegou até a Bolívia via Mato Grosso do Sul. “Eu me senti como quando era criança no Bom Retiro, em São Paulo, época em que convivia com italianos, judeus e coreanos.”

Tal Babel cultural aparece clara no retrato que ele fez de um garoto paraguaio de Ciudad del Este, cuja imagem se reflete no vidro de uma van, atravessado por ideogramas coreanos. Mas a imagem que de certa forma sintetiza o sentimento de mistura das fronteiras é o flagrante de um grupo caótico de pessoas numa rua de Guayaramirim, Bolívia, assinado por Tiago Santana. “Esta foto revela exatamente o que eu senti nas viagens”, conta Santana, que cobriu a região fronteiriça com a Bolívia, a Colômbia, a Venezuela e a Guiana Inglesa. Ele considera o projeto um prolongamento da postura comum ao quinteto de craques, de chegar cada vez mais perto das pessoas. Mesmo que, no caso, a uma pergunta feita em português elas respondam em espanhol. Ou em guarani.