Em algum ponto do mar existe uma ilha que não figura em mapa algum, viu? Um lugar cheio de bichos esquisitos e dominado por um monstro maníaco, tá? Para sobreviver num ambiente assim, você tem de ser muito esperto, né? Estes são, respectivamente, os bordões de Rá, um tatu dublado pelo cantor Pedro Mariano; Tim, pássaro azul com a voz de Fernanda Takai, da banda mineira Pato Fu; e Bum, enorme bicho-preguiça, meio rastafári, ideal para o vozeirão do cantor Bukassa Kabengele. Eles são os narradores da Ilha Rá-Tim-Bum, a nova série da TV Cultura que, depois de muitos percalços, finalmente estréia em 1º de julho, além de São Paulo, nas 18 filiadas da Rede Pública de Televisão e na TVE do Rio de Janeiro. A idéia de Flavio de Souza –co-roteirista das séries anteriores e agora roteirista desta – foi criar uma história de educação ambiental que atingisse um público infanto-juvenil com ingredientes de aventura, suspense, mistério e comédia sobre cinco componentes de um coral infantil, que naufragam com sua lancha e são obrigados a sobreviver num ambiente, digamos, hostil.

Três mil cenas – Os 52 capítulos de 30 minutos cada um, que serão exibidos de segunda a sexta-feira em três horários, começaram a ser gravados em setembro de 2001. Foram mais de três mil cenas que tiveram de obedecer a um rigoroso trabalho de logística para ocupar os 15 cenários dispostos em dois estúdios, além de locações diversas. A equipe, que chegou a contar com 150 componentes, passou por Ubatuba, porto de Santos, Boituva, Parque Nacional de Itatiaia, Cantareira, Caucaia do Alto e Angra dos Reis, onde fica a ilha em si – na verdade, a Ilha da Jibóia vista do alto e modificada através de computação gráfica.

A trabalheira toda, na verdade, iniciou um ano antes, quando a parceria TV Cultura com Fundação Bradesco confirmou o investimento de R$ 10 milhões. De posse dos perfis dos personagens elaborados pelo autor, os diretores Fernando Gomes e Maísa Zakzuk partiram para a escolha do elenco, dividido em heróis, amigos e vilões. Maísa dirigiu as cenas com as crianças e os amigos. Criadora do X-tudo (1992), ela mesma passou a infância num lugar semelhante, a Ilha das Palmas, no litoral paulista. O certo é que, em janeiro de 2001, teve diante de si quase mil jovens dispostos a fazer teste para se tornarem heróis. Paulo Nigro, 18 anos, ator e campeão nacional de kung fu, é Gilberto Soares, o Gigante, líder natural da turma; Thuanny Costa, de 11, encarna Maíra Rocha, autodenominada Majestade, uma menina mandona; Greta Eleftheriou, 15, vive Rosane Pereira da Silva, a Rouxinol, uma patricinha gulosa; Rafael Chagas, 9, faz o papel de Milton Pereira da Silva, o Micróbio, irmão geniozinho de Rouxinol; e Abayomi de Oliveira e Almeida Santos, 12, interpreta Ramiro Serrano, o Raio, repórter da turma.

Além dos heróis, Maísa dirigiu as cenas de Solek – o lagarto sapiens, encarnado pelo bailarino mineiro Luiz Abreu –, de Hipácia e da gruta dos Coisos. Vivida por Graziella Moretto, Hipácia é a última bibliotecária de Alexandria que, seguindo a imaginação do autor, foi parar na ilha. Mas, como vive no interior de uma árvore, está se transformando numa delas. O Coiso pai (Henrique Stroeter) e a Coisa mãe (Keila Bueno) chefiam o único núcleo familiar da história. O filho Coisinho é um boneco manipulado. Como ele, Suzana, a cobrinha de estimação de Rouxinol, os malévolos Brurgue, a planta carnívora Vrunja, a Lontra Chifruda e outros seres totalmente fantasiosos vão causar delírio na garotada. Eles ganham vida de diversas formas. São manipulados manualmente, por traquitanas, controle remoto ou chegam à telinha através de sofisticados truques de computação gráfica. Muitas vezes são uma combinação de todos estes aparatos.

Stroeter, por exemplo, usa uma máscara cheia de recursos na qual os olhos ou as enormes orelhas são acionadas por técnicos. O ator participou das três séries Rá-Tim-Bum junto com Flavio de Souza – com quem formou a dupla Tíbio e Perônio – e Angela Dip, a aranha Nhã-Nhã-Nhã da Ilha Rá-Tim-Bum. Antes de ser a nervosa aracnídea, Angela fez a mãe da família Teodoro em Rá-Tim-Bum e a popular Penélope do Castelo Rá-Tim-Bum. Contadora de histórias, Nhã-Nhã-Nhã integra o núcleo dos vilões que habitam o estúdio D, território do diretor Fernando Gomes, que também se encarregou das extenuantes externas e das cenas filmadas em chroma key, o truque que coloca o ator contra um fundo azul, permitindo em seguida diversas superposições de imagens. Além da enorme teia da aranha, o estúdio abriga todas as dependências da torre de Nefasto, o principal vilão da trama, brilhantemente incorporado por Ernani Moraes – assessorado por Polca (Liliana de Castro), uma lagarta, e Zabumba (Luciano Gatti), um zangão, o ser temível que controla toda a ilha com câmeras.

Pernambucano de 1,90 m e voz tonitruante, Moraes – que ficou conhecido do grande público fazendo o Boneca da novela global Torre de Babel – define seu personagem como um horroroso que dominou a tecnologia e aprendeu sobre o mundo assistindo à televisão. A chegada dos meninos à ilha é uma oportunidade para ele estudar os homens mais de perto. Segundo a figurinista Isabela Teles Bénard, dentre os 78 modelos criados por ela Nefasto é o que deu mais trabalho. Isabela imaginou algo de características orgânicas e usou conchas e iscas de peixes na roupa. Com a maquiagem, a dificuldade não foi muito diferente. Moraes ficava até quatro horas para fazer crescer seu queixo e colocar na cabeça uma estranha carapaça de onde surgem enormes bolhas a cada vez que ele fica nervoso. Calvário semelhante também foi enfrentado por Nhã-Nhã-Nhã, Solek, Hipácia, enfim, todos os seres bolados exclusivamente para educar e divertir, sem as chatices ou insistentes falações sobre sandalinhas de plástico.