Na capa do histórico disco Tropicália ou panis et circensis, de 1968, manifesto do movimento liderado pelos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, é impossível deixar de notar um senhor de bigode, óculos e trajes formais, tendo às mãos um urinol como xícara. Trata-se do músico, compositor, arranjador e instrumentista Rogério Duprat. Mas sua irreverência não se limitava às ousadias sonoras ou ao gestual. O leitor pode constatar sua trajetória, da música erudita ao jingle, analisada pela primeira vez no livro Rogério Duprat – sonoridades múltiplas (Unesp, 216 págs., R$ 29), de Regiane Gaúna, pesquisadora e mestre em artes e música pela Universidade Estadual Paulista, que contou com a colaboração do focalizado.

Nascido no Rio de Janeiro em 1932, de família paulistana, Duprat – um
ex-comunista ferrenho – ainda jovem aprendeu de ouvido cavaquinho e violão. Mais tarde estudou em Darmstadt, Alemanha, na mesma classe do roqueiro Frank Zappa. Sua participação na tropicália evidencia que o Brasil foi o único país em que a vanguarda da música erudita se aproximou da vanguarda da música popular – Zappa, por exemplo, teve de se ater ao mundo do rock. Além da análise detalhada de três composições de Duprat – Organismo (1961), Objeto semi-identificado, com Gilberto Gil e Rogério Duarte (1969), e a trilha sonora do filme O pica-pau amarelo, de Geraldo Sarno (1974) –, o livro vem acompanhado de um CD com a primeira e a última música citadas. É um trabalho precioso, uma das chaves para se entender o controverso movimento, principalmente nestes dias em que Gilberto Gil chegou ao Ministério da Cultura, Caetano Veloso ao palco do Oscar e Rogério Duprat à surdez, não tão absoluta, porém providencial.