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APROVAÇÃO
Pela primeira vez, o governo Dilma foi submetido ao escrutínio
público – e o resultado, para ela, não poderia ter sido melhor

O Partido dos Trabalhadores não é mais o mesmo. Uma revolução silenciosa, cujo signo é o sentimento da mudança, faz nascer novas lideranças, oblitera velhos caciques e desencadeia a maior transformação da história da legenda. Basta olhar os resultados das eleições municipais para entender a dimensão desse processo. Eleito prefeito em São Paulo, Fernando Haddad, 49 anos, é um dos símbolos da transformação. Em seu discurso da vitória, Haddad falou em autocrítica, na reconstrução do partido e agradeceu efusivamente à presidenta Dilma Rousseff e ao ex-presidente Lula, os principais fiadores de sua candidatura. No texto, escrito de véspera, fez ainda um chamamento à intelectualidade, às forças produtivas e aos movimentos sociais, num claro resgate das raízes partidárias do PT da década de 1980. O teor do discurso de Haddad resume a diretriz que Dilma estabeleceu em seu governo: a opção por políticos de perfil técnico, dedicados à boa gestão e sem os ranços do tradicional fisiologismo partidário.

Nas primeiras tratativas para a montagem de seu gabinete, Haddad seguiu a cartilha da presidenta e avisou que não se renderá ao “toma lá dá cá”. A referência ao modo de governar de Dilma ganha cada vez mais espaço dentro do PT, serviu de slogan para centenas de candidaturas e passou pelo primeiro grande teste nas urnas. O resultado foi a maior votação de um partido em eleições municipais, com mais de 17,2 milhões de votos em todo o País. Foram 635 prefeitos eleitos, o que significou um crescimento de 14% no número de municípios nas mãos do PT. Dilma foi uma das grandes vitoriosas da eleição. Seu governo, pela primeira vez, foi submetido ao escrutínio público – e os resultados, para ela, não poderiam ter sido melhores.

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PARCERIA
Com a eleição de Haddad, o ex-presidente Lula reafirma seu poder na
legenda e, de olho em 2014, investe em um novo desenho para a cúpula petista

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Esse partido que saiu das urnas revela o sucesso de uma estratégia que começou a ser traçada pelo ex-presidente Lula na eleição de Dilma em 2010. Consciente dos efeitos negativos do julgamento do mensalão, com a condenação de lideranças tradicionais como José Dirceu, João Paulo Cunha, José Genoino e Delúbio Soares, o ex-presidente vem trabalhando obsessivamente para mostrar que o partido está disposto a reescrever sua história. Numa reunião com a coordenação de campanha de Haddad, uma semana antes do segundo turno, Lula ressaltou que a vitória do ex-ministro da Educação em São Paulo seria mais um passo fundamental nessa reformulação. Em uma avaliação interna, o ex-presidente se disse incomodado com o fortalecimento de legendas à esquerda do espectro partidário, como o PSB. Segundo ele, o caminho para reconquistar o espaço ideológico e sanear a imagem pública do PT passa pela renovação dos quadros da legenda. O cientista político Rafael Cortês, da consultoria Tendências, avalia que Lula acertou em cheio ao perceber essa necessidade antes de todos. “Ele está usando seu capital político para bancar essa transformação”, diz Cortês.

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Na terça-feira 30, o presidente do PT, Rui Falcão, se reuniu com a bancada do partido no Congresso para debater o assunto. Foi informado de que parte importante da sustentação do PT, como os sindicatos bancários, de professores e da saúde, está decidida a se alinhar totalmente à imagem de Dilma e se afastar do grupo de Dirceu. Falcão percebeu que o partido vem perdendo espaço nos movimentos sindicais, debandando para a órbita de legendas como o PSol. O impacto da condenação dos réus petistas, a propósito, foi alvo de uma pesquisa encomendada pelo PT logo após o fim do segundo turno. A cúpula da sigla desconfia que a abstenção recorde registrada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – mais de 22 milhões não compareceram às urnas – faça parte de um fenômeno de “desilusão” política e que grande parte desse exército de desencantados seria de eleitores ou simpatizantes do PT. Dependendo do resultado da pesquisa, o partido poderá tomar medidas mais radicais para minimizar o “efeito mensalão” e reconquistar esses votos antes que eles encontrem outro destino.

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No desenho de uma nova cúpula partidária, poucos políticos somam tantos pontos como a paranaense Gleisi Hoffmann, ministra da Casa Civil. Braço direito da presidenta Dilma, a ministra conseguiu eleger Gustavo Fruet (PDT) na capital do Paraná e será candidata ao governo do Estado. Apesar de estar no partido desde 1989, ela é um dos exemplos mais emblemáticos da renovação partidária porque sempre esteve em cargos técnicos, ganhando espaço político a partir da eleição para o Senado, em 2010. Outros dos novos líderes petistas são o ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), cotado para o governo de Minas Gerais em 2014, e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que se credencia como a opção para São Paulo. Também vindo do movimento estudantil, o ministro tem atraído a simpatia dos políticos petistas ao abrir o cofre da pasta que comanda para atender a reivindicações de emendas parlamentares.

Padilha foi o ministro mais solicitado pelos candidatos às prefeituras no primeiro turno, gravando cerca de 90 vídeos de apoio a petistas. Nos discursos, prometeu investimentos na área da saúde e ressaltou a boa vontade da sua gestão com os municípios. Ele tem sido lembrado pelos defensores da renovação como um nome competitivo para a disputa pelo governo de São Paulo daqui a dois anos. Assim como Luiz Marinho, prefeito reeleito de São Bernardo do Campo e considerado o petista mais próximo de Lula. Os petistas que clamam por renovação na cúpula da sigla garantem que a rejeição do eleitorado a nomes antigos fez a ficha cair de vez e, em 2013, o partido sairá do estado de negação para a fase do enfrentamento do problema.

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NOVOS RUMOS
Gleisi Hoffmann (acima), Padilha (abaixo) e Pimentel (última) ganham
espaço no PT e largam na frente como pré-candidatos à disputa para
os governos do Paraná, de São Paulo e de Minas Gerais, em 2014

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O novo modelo petista abre espaço para uma geração que até hoje foi mantida à distância das decisões da cúpula partidária, mas que começa a reivindicar espaço. O senador Lindbergh Farias (RJ) é lembrado sempre como o símbolo dessa mudança. Desde que assumiu o mandato, Farias tem atuado como personagem secundário da bancada de senadores. Agora, depois de conseguir eleger aliados nas prefeituras, começa a se encaixar na descrição de novo modelo de liderança petista. Seus planos e os de setores do partido incluem a candidatura para o governo do Rio de Janeiro, em 2014. Para chegar lá, terá que negociar espaço com veteranos, como a deputada federal Benedita da Silva. “Acho que essa renovação de lideranças e políticos que compõem a legenda é uma imposição da realidade do eleitorado”, afirma. “O País mudou e os quadros do PT se ampliaram. Isso deve ser considerado.”

Na quinta-feira 1º, a Executiva Nacional do PT se reuniu para fazer um balanço e traçar as estratégias para os próximos anos. Nas palavras do presidente do partido, Rui Falcão, foi dada a largada ao “projeto de construção e valorização de lideranças”. Falcão disse que ainda será necessário um tempo maior para analisar o “desfalque” ocorrido este ano, em consequência do julgamento do mensalão, e avalia que a renovação não pode prescindir de nomes que ainda são referências. “Aos 33 anos, o PT pode criar novos quadros, mas deve manter referências nacionais importantes, como Lula”, disse à ISTOÉ. Não citou Dirceu. Para o cientista político Gaudêncio Torquato, da USP, Lula continuará se dedicando nas próximas eleições a essa renovação de quadros, investindo em perfis mais técnicos, em detrimento de petistas históricos. “A velha guarda do PT vai ter de aceitar a renovação, porque Lula se respalda nos votos e é o último líder carismático do Brasil”, diz. Segundo ele, o ex-presidente tem pressa na assepsia do partido pós-julgamento do mensalão.

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A construção da nova onda petista terá um novo capítulo já em dezembro, quando a Fundação Perseu Abramo escolherá a nova direção. A entidade, que funciona como braço intelectual do PT, elabora estudo cruzando a votação dos candidatos municipais com os nomes dos dirigentes locais. Aqueles que estão no comando apenas por indicação, sem lastro nas urnas, deverão ser substituídos pelos campeões de votos. A medida fatalmente acabará com o reinado de dirigentes veteranos que se apegaram à burocracia partidária e se afastaram das ruas e dos eleitores. O estudo da fundação também se dedicará a traçar um perfil dos novos filiados do PT. Nos últimos dez anos, apesar da saída de algumas lideranças e até fundadores, a legenda quase dobrou de tamanho, passando de 828 mil para 1,5 milhão de filiados. Nesse período, a parcela do Fundo Partidário a que o PT tem direito cresceu de R$ 12,4 milhões para R$ 31,7 milhões, em consequência da ampliação de representantes no Congresso. A preocupação em saber quem são esses filiados está diretamente relacionada à composição do comando partidário.


Em novembro do ano que vem, ocorrem as eleições para a escolha dos membros do Diretório Nacional e sua Executiva, e dos diretórios estaduais e municipais. “São os filiados que escolhem quem vai dirigir o PT”, diz o secretário Nacional de Organização do PT, Paulo Frateschi. Segundo ele, essa eleição será um marco no processo de renovação da imagem da legenda. Estão em jogo o futuro imediato do partido e a elaboração de uma nova agenda para o País. Dentro do partido, a pressão pela renovação das lideranças só aumenta. Na opinião do senador Wellington Dias (PI), há uma demanda crescente pela construção de um novo discurso, por novas bandeiras. “O PT precisa se atualizar”, avalia Dias. “Nós ainda estamos falando sobre temas da ditadura, mas 50% dos eleitores são jovens que só conhecem o regime militar pelos livros de história.” Essa renovação tem alimentado várias batalhas por espaço dentro do partido, não só nos palanques como dentro do Congresso. O deputado petista Paulo Teixeira (SP) vem se articulando para viabilizar sua candidatura à vice-presidência da Câmara dos Deputados. Teixeira foi líder do partido e é considerado bom articulador. Agora, aproveita a tendência de mudanças para crescer nas brechas deixadas pelo líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), desgastado com a cúpula do Executivo, e por Jilmar Tatto (PT-SP), cuja liderança na bancada petista tem sido muito criticada.

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TRABALHO
Dilma em palanque e o prefeito de São Bernardo do Campo,
Luiz Marinho (abaixo). Governos técnicos para um novo PT

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Dentro do PT, porém, há quem resista ao discurso de renovação. “Haddad não era novo”, alega o ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Embora não admita oficialmente, o petista ainda nutre o desejo de voltar a ser candidato ao governo de São Paulo, depois de duas derrotas, em 2006 e 2010. O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (RS), também se revela um opositor à ideia de uma grande renovação no PT. “Houve uma estratégia eleitoral para a disputa de São Paulo e que deu certo”, diz. “Mas se for ver na base, há manutenção de poder de antigas lideranças.” Para o deputado Cândido Vaccarezza (SP), ex-líder do PT na Câmara, a renovação “foi mal entendida”. O discurso desses petistas, curiosamente, se aproxima dos de ex-petistas que se tornaram críticos contumazes do partido. “Acho difícil uma renovação enquanto Lula estiver lá”, alfineta Hélio Bicudo, fundador do PT e ex-vice-prefeito de São Paulo. Ele avalia que caciques como José Dirceu, um dos mentores do projeto de poder do PT, ainda têm ascendência na cúpula da legenda e continuam articulando nos bastidores para eleger aliados e influenciar decisões. Se a renovação será para valer, só o tempo dirá.

Foto: Caio Guatelli/Folhapress; Karime Xavier/Folhapress; Paulo Pinto; Adriano Machado/ag. istoé; FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/ABR; Luciano Claudino/Frame/Folhapress; RICARDO TRIDA/DIÁRIO DO GDE ABC/ESTADãO CONTEÚDO


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