Em novembro de 2001, os deputados federais e estaduais do PSDB mineiro escolheram o deputado Aécio Neves para disputar, pela legenda, o governo do Estado. Não era essa a vontade do então presidente da Câmara. Ele preferia concorrer a uma vaga no Senado. Com a eleição certa e oito anos de mandato assegurado, teria tempo para cristalizar a imagem de negociador hábil, eficaz e confiável que começou a construir em 1996, quando assumiu pela primeira vez a liderança do partido na Câmara. Depois, partiria para vôo seguro rumo ao Executivo. Dia 25 de novembro passado, um ano depois do encontro com a bancada, Aécio Neves, governador eleito de Minas Gerais, conduziu com firmeza a primeira reunião dos sete governadores de seu partido com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. O encontro ocorreu contra a vontade da direção do PSDB, que decidiu ocupar o campo oposicionista. Diante do questionamento dos dirigentes de seu partido, Aécio não titubeou: “A cúpula somos nós”, declarou com firmeza, deixando bem claro que sabe o poder de ter sido eleito no primeiro turno com 58% dos votos do segundo maior colégio eleitoral do País. A campanha oficial durou pouco mais de três meses, mas o candidato empenhou a mesma energia utilizada nas disputas em que entra por iniciativa própria. Aécio é assim, pode relutar em aceitar uma tarefa, mas quando decide é para assumir a liderança.

Quem conhece a família de Aécio Neves Cunha diz que a determinação é característica herdada, mas a disciplina para seguir em frente foi aprendida. As duas têm raízes no avô materno, Tancredo Neves. Apesar de ser filho de parlamentar – o pai, Aécio Ferreira da Cunha, teve mandato de deputado federal por 28 anos –, foi o avô quem o levou para a política, quando tinha pouco mais de 20 anos. O convite para entrar no novo mundo veio meio disfarçado. Tancredo sugeriu ao neto que largasse a boa vida que levava no Rio de Janeiro para conhecer melhor a terra natal. Aécio já fazia faculdade de economia e transferiu o curso para Belo Horizonte. As praias do Rio foram substituídas no dia-a-dia pelas montanhas mineiras. As lições iniciais foram exatamente de disciplina. Tancredo chegou a deixar o neto na pista do aeroporto  por causa de cinco minutos de atraso no horário de embarque. Foi ele também quem o ensinou a respeitar a liturgia do cargo ao ser eleito governador de Minas, em 1982. Na primeira reunião do secretariado, mandou Aécio retirar-se da mesa para ir colocar gravata, uma vez que o evento era “solene”. O avô o tinha como secretário particular não para dar-lhe um emprego, mas para fazê-lo seu sucessor.

Tancredo morreu sem ver o sonho concretizado, mas a semente estava lá. Após a morte do avô, Aécio Neves só esteve dois anos afastado da política partidária, período em que exerceu o cargo de diretor de Loterias da Caixa Econômica Federal. A espinha dorsal do político já estava formada e faltava apenas o fortalecimento da estrutura. Essa tarefa coube ao pai e à irmã mais velha, Andréia. São eles que até hoje dão o suporte político necessário. Aécio-pai atua como conselheiro eventual e Andréia como operadora política no Estado. Foi ela quem coordenou a campanha ao governo. Mesmo sem a rigidez de horários de Tancredo, Aécio não deixa nenhum compromisso pela metade. A exemplo do avô, habilidade para tecer acordos também não lhe falta. Perspicácia e sensibilidade para perceber a hora certa de tomar decisões são outros pontos de semelhança. Aécio gosta de fazer política e faz questão de deixar isso bem claro. O avô ficou como referência emocional, mas o jovem deputado, que chegou ao Parlamento em 1986, com 26 anos, embalado na saudade do primeiro presidente civil eleito após a ditadura militar, conquistou força e brilho próprios.

O recado incisivo que mandou à direção da cúpula tucana em Araxá não
é o único caso de desafio à autoridade estabelecida no partido. O caminho para o Palácio da Liberdade, sede do governo de Minas, foi entregue a Aécio em estado avançado de pavimentação, mas antes
disso ele teve que abrir seu próprio espaço. A primeira grande ousadia aconteceu quando decidiu ocupar a liderança da bancada tucana na Câmara, em 1996. O líder era o então deputado Jaime Santos, do Maranhão, que contava com o apoio do comando do partido. Mas um pequeno grupo de insatisfeitos, formado principalmente por mineiros, decidiu apostar em Aécio. “Ninguém acreditava que ele conseguiria”, afirmam diversos correligionários. Mas a aposta deu certo e ele chegou lá. Depois repetiu a dose mais três vezes e ficou quatro anos no posto. Sob sua coordenação foram conduzidas intensas negociações que envolveram as reformas administrativa e da Previdência e a mudança constitucional que permitiu a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso e demais ocupantes de cargos no Executivo estadual e municipal. Entre
o final de 1999 e fevereiro de 2000 articulou, silenciosamente, um bloco parlamentar de seu partido com o PTB. Num momento anterior, o deputado José Aníbal (SP) havia tentado sem sucesso unir as duas legendas. O acordo foi vetado por FHC. A negociação de Aécio foi feita sem o conhecimento do presidente e à revelia da direção executiva
do PSDB. Graças a esse estilo mineiro de conquistar adesões, Aécio conseguiu chegar à presidência da Câmara dos Deputados. Disputou contra o PFL e parte do PMDB e ainda assim manteve número de parlamentares que garantia ao governo a base de apoio na Casa.

Na presidência da Câmara, Aécio usou sua capacidade de articulação para fazer acordos que mudaram as regras de comportamento dos parlamentares. Provocou uma revolução de costumes ao tirar do fundo da mais escondida gaveta o projeto do código de ética e decoro e
a redução da imunidade parlamentar. Criou também a Ouvidoria da Câmara, a Comissão Permanente de Participação Legislativa – que
recebe propostas de cidadãos – e aprovou a lei que regulamenta a edição de medidas provisórias. Com essa agenda Aécio conseguiu arrancar a Câmara da paralisia em que se encontrava, já que todas as atenções se voltavam para os escândalos do Senado Federal, envolvendo os senadores Luiz Estevão, José Roberto Arruda, Jader Barbalho e Antônio Carlos Magalhães. O sucesso das empreitadas de Aécio não se deve à sua genialidade, mas a um aguçadíssimo senso de oportunidade. Ao desengavetar projetos ligados a questões éticas, nada mais fez do que atender aos apelos da sociedade, que a cada dia desconfiava mais de seus representantes legais. De quebra, trouxe para seu lado boa parcela da oposição, já que os projetos eram quase todos de autoria de parlamentares de esquerda. Conhecedor da burocracia  do Parlamento, Aécio Neves mexeu até na estrutura administrativa da Câmara. Retirou funcionários que há décadas ocupavam os cargos de comando e em seu lugar colocou jovens servidores concursados e de cabeça mais arejada pelos ensinamentos da recente democracia.

É com esse mesmo ânimo reformulador que Aécio, divorciado e pai de Gabriela, 11 anos, pretende administrar seu Estado. Quer trazer Minas Gerais de volta ao centro da arena política nacional. Em todas as entrevistas que concede, e principalmente nas conversas políticas,
não se cansa de repetir: “Quando Minas falta, o Brasil também perde.”
A frase já virou quase um bordão. Com ela vem a lembrança do tamanho físico do Estado, da população e da importância econômica. A estrutura de Minas é grande, mas a máquina pública está quase em petição de miséria. Para pagar o décimo terceiro dos funcionários públicos, depende da benevolência do governo federal em liberar recursos. Por isso, Aécio pretende mudar a forma do relacionamento com Brasília. Acredita poder encabeçar uma frente de governadores em favor da renegociação das dívidas estaduais para dispor de algum recurso para investimentos.
Outra afirmação muito repetida entre os que cercam Aécio é que seu objetivo é fazer um bom governo agora e repetir a dose daqui a quatro anos. Mas ele sonha ocupar a Presidência da República e nada impede que a disputa ocorra já em 2006. Tudo depende da oportunidade; se ela for favorável, o neto de Tancredo certamente saberá identificar.