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O relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa, votou nesta quinta-feira (18) pela condenação do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, o empresário Marcos Valério e de outros oito réus pelo crime de formação de quadrilha. O ministro afirmou que um "manancial probatório" comprova que Dirceu, homem forte do primeiro mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva, se associou em uma organização estável com os núcleos publicitário e financeiro para cometer crimes contra a administração pública e o sistema financeiro.
 
Além de Dirceu, Genoino e do empresário mineiro, o item 2 da denúncia tem como réus os sócios de Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, as funcionárias Simone Vasconcelos e Geiza Dias, e a antiga cúpula do Banco Rural – Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinicius Samarane e Ayanna Tenório. O relator, no entanto, decidiu absolver Geiza e Ayanna.
 
"De forma livre e consciente, os réus associaram-se de maneira estável organizada e com divisão de tarefas para praticar crimes contra a administração pública e o sistema financeiro nacional", disse Barbosa. "Como se vê, todo esse manancial probatório, produzido tanto na fase de inquérito como em juízo, comprova que era ele (Dirceu) quem comandava o núcleo político, que por usa vez repassava as orientações ao núcleo de Marcos Valério, ao qual agia em concurso com o Banco Rural", acrescentou.
 
O argumento de que José Dirceu largou a articulação de questões ligadas ao PT depois que entrou para o governo de Lula não convenceu o relator do processo. "Diversamente do alegado por sua defesa, José Dirceu, além de não ter se afastado das questões afetas ao PT, continuou a ditar, embora extraoficialmente, os rumos daquela agremiação política", ressaltou.
 
Para Barbosa, os réus se associaram com o principal objetivo de comprar apoio político no Congresso, ponto central da denúncia do mensalão. "Os agentes do núcleo político, em concurso com os integrantes do núcleo publicitário, corromperam parlamentares para aumentar a base de parlamentares à época", disse.
 
Delúbio e Genoino
 
Chamado de braço operacional do núcleo político, Delúbio era a principal ligação do núcleo político com Marcos Valério, segundo Barbosa. "Há provas mais que consistentes de que Delúbio Soares, além de ser o principal braço operacional do núcleo político, era o principal elo entre o núcleo político e o publicitário", disse.
 
Genoino era o interlocutor político do grupo, realizando reuniões com partidos da base aliada que receberam dinheiro do PT. "Genoino reconheceu ainda que tais reuniões visavam apoiar o governo, verificar a agenda política que fazia parte do programa para a eleição de 2002 e formar alianças", afirmou.
 
Coube ao então presidente do PT ser o avalista de um dos empréstimos que o PT firmou com o Banco Rural em 2003, operação considerada fraudulenta pelo Supremo. "Delúbio, em companhia de Genoino e Valério, atuou na simulação de um contrato de mútuo celebrado entre o Banco Rural e o PT em maio de 2003 no valor de R$ 3 milhões, o qual foi renovado por 10 vezes", disse.
 
Núcleo publicitário
 
"Marcos Valério era o líder do chamado núcleo operacional ou publicitário", disse Barbosa, que durante todo o voto ressaltou a proximidade do empresário mineiro com José Dirceu. No voto iniciado ontem, Barbosa já havia deixado claro que condenaria Dirceu e Valério pelo crime de formação de quadrilha destacando o vínculo entre os dois. O relator disse que Valério era procurado por pessoas que buscavam agendar reuniões com o então chefe da Casa Civil.
 
"Marcos Valério, conforme já exposto em votos anteriores, agendava as reuniões entre José Dirceu e Kátia Rabello (presidente do Banco Rural), agindo, nas palavras de Kátia, como intermediário entre José Dirceu e o Banco Rural. Marcos Valério também foi quem viajou a Portugal junto com Rogério Tolentino e Emerson Palmieri para extrair dinheiro do presidente da Portugal Telecom", disse Barbosa.
 
O grupo de Marcos Valério, integrado por Cristiano Paz, Ramon Hollerbach, Rogério Tolentino e Simone Vasconcellos, ajudou nos mecanismos de lavagem de dinheiro da quadrilha, afirmou Barbosa. O ministro lembrou que Paz e Hollerbach foram condenados, junto de Valério, pelos desvios de dinheiro analisados no início do julgamento. "Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz desviaram milhões de reais da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil", disse Barbosa.
 
Para reforçar a ligação entre Valério e Dirceu, Barbosa citou um apartamento vendido por Ângela Saragoça, ex-mulher de Dirceu, a Rogério Tolentino, advogado das empresas de Valério. Tolentino também teria colaborado com a quadrilha ao contrair um empréstimo fraudulento do banco BMG.
 
Barbosa também rechaçou a tese de que Simone Vasconcellos, funcionária da SMP&B, citada em vários depoimentos como a responsável por repassar quantias de dinheiro a réus do mensalão, era apenas uma cumpridora de ordens. "Simone tinha plena consciência da ilicitude de sua conduta", disse.
 
Quanto a Geiza Dias, também funcionária da SMP&B, Barbosa decidiu absolvê-la porque o Supremo a inocentou nas fases anteriores do julgamento.
 
Núcleo financeiro
 
Os réus do núcleo financeiro – Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane – agiram dentro do Banco Rural para lavar o dinheiro e injetar recursos para a quadrilha por meio de empréstimos fraudulentos, sustentou Barbosa. "Os integrantes do núcleo financeiro, após ter ingressado na quadrilha em troca de vantagens indevidas, lavaram grande parte dos valores considerados ilícitos, mediante empréstimos simulados e outros mecanismos fraudulentos", disse.
 
Em troca, Marcos Valério teria atuado junto a José Dirceu para tratar de interesses do Banco Rural no governo federal, como a liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco. "É uma grande desenvoltura que esse Marcos Valério tinha, né?", ironizou durante o voto.
 
Da mesma forma que fez com Geiza Dias, Barbosa decidiu absolver Ayanna Tenório, que também foi inocentada em ocasiões anteriores.
Julgamento fatiado
 
A quadrilha é a primeira parte da denúncia do Ministério Público Federal (MPF), que imputa ao ex-ministro José Dirceu a condição de líder do grupo criminoso acusado de comprar apoio político no Congresso Nacional, no primeiro mandato de Lula na Presidência da República. Barbosa preferiu, no entanto, deixar este item para o fim do julgamento.
 
O relator fatiou o julgamento, começando a julgar o desvio de dinheiro público da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil, que teriam abastecido o esquema. Depois, passou a analisar os empréstimos do Banco Rural que, segundo entenderam os ministros, ajudaram a encobrir a origem ilícita do dinheiro movimentado no esquema.
 
Em mais de dois meses de votos, a maioria dosministros do STF enxergou um esquema de compra de votos de parlamentares, condenando José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino por corrupção ativa. Em seu último voto, Barbosa fez um retrospecto das decisões do Supremo nas "fatias" anteriores do julgamento para justificar a existência de um grupo organizado.
 
O mensalão do PT
 
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
 
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
 
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
 
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
 
A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
 
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.
 
Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.