Cercado por águas claras e mergulhado em Sol praticamente o ano todo, o arquipélago de Fiji é o que se poderia chamar de paraíso. São nove ilhas principais e cerca de 300 ilhotas de origem vulcânica repletas de cachoeiras, rios, florestas e praias desertas. Durante dez dias, os moradores desse pacato recanto farão contato com um novo tipo de viajante: os esportistas radicais, que deverão virar a região do avesso numa prova cujo objetivo é levar os praticantes ao limite.

O evento é uma espécie de copa do mundo da aventura e ficou conhecido como Eco-Challenge, ou desafio ecológico. Entre os dias 11 e 21 deste mês, 81 equipes vão percorrer 500 quilômetros de terreno inóspito, numa corrida que envolve escalada, canoagem, pedaladas e muito planejamento para não se perder no caminho. Completar seu trajeto no menor tempo possível é o sonho de qualquer equipe. É o caso dos brasileiros da Canon Quasar Lontra, que participarão pela primeira vez da prova.

Formada por um advogado, um empresário, um militar e uma personal trainer, a equipe Quasar Lontra, apoiada por ISTOÉ, é um dos mais promissores times nacionais. Os preparativos não são poucos. Seus integrantes se exercitam pelo menos duas horas por dia, nas brechas do trabalho, e se encontram todos os finais de semana para praticar. Quando não disputam provas menores, de 24 a 36 horas, os esportistas correm e pedalam juntos no sábado ou no domingo. Na Eco-Challenge, outras duas equipes de ponta também representarão o País: a Ema Brasil e a AXN Atenah.

Essa modalidade de esporte radical, consagrada nos anos 90, foi batizada de corrida de aventura. Apesar de estar aberta a qualquer pessoa de
boa vontade, é preciso ter preparo físico excepcional para enfrentá-la até o fim. Esse é o caso dos competidores da Quasar Lontra. Todos já passaram pelo triatlo, que reúne natação, ciclismo e corrida.

Em geral, as provas são disputadas por equipes de quatro pessoas, sendo uma delas do sexo oposto. A improvisação é o elemento-chave: momentos antes da largada, as equipes recebem um mapa da região, com locais por onde devem passar numa ordem pré-determinada. O trajeto até esses pontos de controle é definido pela equipe e inclui trechos em meio a rios, florestas fechadas e outros obstáculos. Pelo menos um dos integrantes precisa levar uma bússola, já que os sistemas de localização por satélite (GPS) são proibidos.

Pouco sono – A idéia é passar por todos os pontos no menor tempo possível. Não há paradas para descanso nem divisão por dias; ganha quem chegar primeiro, ainda que signifique não pregar os olhos por várias noites. “Em provas mais longas, dormimos entre 40 minutos e 1h30 por dia”, diz a personal trainer Marina Verdini, 27 anos. “Antes de competir, não entendia como alguém podia passar por isso. Mas a descarga de adrenalina é tão grande que você fica ligado”, ela arrisca uma explicação. Para se ter uma idéia, provas programadas para dez dias
são concluídas em cinco ou seis dias pelos primeiros colocados.

Além disso, em cada trecho é preciso percorrer as distâncias de forma diferente. Pode ser a pé, de bicicleta ou a bordo de uma canoa. As provas incluem ainda escalada e nado. “Não adianta ser excepcional em uma ou outra modalidade. É preciso ter uma boa média em todas”, comenta o empresário Fabrizio Giovannini, 38 anos.

Não há dúvida de que quem participa da corrida de aventura precisa ter sangue frio. Entre mortos e feridos, há luxações, bolhas no pé, desidratação e até hipotermia, queda excessiva na temperatura corporal. Em um dia, o atleta pode perder 13 mil calorias. Mesmo quem se alimenta de uma dieta rica em proteínas e carboidratos no final sofre com a perda de massa muscular.

No Eco-Challenge, a Quasar Lontra deve consumir até oito mil calorias diárias, principalmente de alimentos desidratados. A mochila também vai cheia de barras de cereais, carboidrato em gel e frutas secas, ingeridas a cada duas horas. Em provas mais curtas, o alimento-chave é peculiar: pizza amanhecida, guardada em papel alumínio. “É uma delícia e alimenta”, brinca Marina, já habituada a essa dieta.

Início precoce – Como os outros, Marina começou cedo a praticar esportes. Aos nove, fazia natação. Aos 16, passou ao biatlo, prova de natação que inclui também corrida. E aos 18 entrou no triatlo. “Sempre gostei muito de esporte; sou muito competitiva”, diz. As provas com três atividades fazem parte do currículo dos demais integrantes da equipe. O advogado Victor Lopes Teixeira Filho praticou o esporte por quase dez anos, antes de saltar para a corrida de aventuras. Aos 44 anos, casado e pai de uma menina de 16, Teixeira é o mais velho da equipe. A idade, para ele, não influi no desempenho. A maturidade e a resistência, explica, ajudam a superar os contratempos. Ele só reclama do ritmo intenso de treinos e competições. “Filme eu só vejo em casa. E devo ter saído para passear só umas duas vezes neste ano”, reclama. “Ultimamente, tenho visto mais os companheiros de equipe do que minha filha.”

O mais jovem do time é Rafael Reyes de Campos, 26 anos. “O tempo que o Victor treina, eu tenho de idade”, comenta Campos, sorridente. Tenente do Exército e professor de sobrevivência na selva, é ele quem segura as pontas na
questão da navegação. Sobra para suas costas a maior parte do cansaço mental de traçar a rota e a estratégia de percurso. “Na prova de muitos dias, há horas em que a gente começa a ter alucinações, não sabe mais se está acordado ou dormindo”, conta.

De todos, quem tem mais problemas para treinar é Giovannini. Dono de uma indústria de autopeças na zona sul de São Paulo e aluno de um curso de mestrado em administração, sobra pouco tempo para praticar. “Não posso ficar muito fora da empresa”, diz. A opção é ir pedalando de sua casa ao trabalho, todos os dias.

Motivação – Quando questionados se tanto esforço vale a pena, nenhum deles titubeia. “Quando me falaram como era o esporte, comecei a me enxergar ali”, conta Marina, que aos sete anos já se embrenhava sozinha em matas, para desespero da mãe. “O trabalho em equipe e a superação de desafios é o que me atrai”, diz Giovannini. Todos esses aspectos das corridas de aventura têm servido para que alguns membros do grupo começassem a dar palestras em grandes empresas. Além de repassar sua experiência, nessas ocasiões eles encontram potenciais patrocinadores. O custo de inscrição para uma prova dessas, com equipamentos e transporte até Fiji, fica em torno de US$ 30 mil. É um valor elevado, ainda mais se comparado ao prêmio de US$ 50 mil, reservado ao primeiro colocado do desafio.

Mesmo assim, o esporte cresceu nos últimos anos. “No Brasil, há pelo menos uma prova a cada três semanas, que junta até 90 equipes com quatro integrantes cada uma”, diz Campos. A competência dos brasileiros também cresceu. Na última Expedição Mata Atlântica (EMA), prova anual que, em 2001, foi realizada na Amazônia, a Quasar Lontra terminou em segundo lugar, à frente de equipes importantes dos EUA e da Nova Zelândia, países com tradição no esporte. Só ficou atrás dos finlandeses da Nokia Adventure, que estarão em Fiji para o tira-teima. Agora é só torcer pelo time nacional e conferir o que ele pode fazer para mostrar ao mundo sua habilidade.