Ninguém mais duvida que os automóveis do futuro vão produzir seu próprio combustível a bordo, usando a água como matéria-prima. Cientistas, fabricantes e governantes são unânimes em apostar que o carro do amanhã já circula pelas pistas de teste de hoje. Os protótipos movidos a hidrogênio são de longe a melhor alternativa para substituir os derivados de petróleo no longo prazo. Silenciosos e tão poluentes quanto uma chaleira, eles atraíram montadoras tradicionais, que investigam uma saída ecológica para driblar a poluição lançada pelos 800 milhões de veículos que transitam pelas ruas do mundo.

A busca pelo sucessor do petróleo há anos movimenta o imaginário das indústrias automotivas. Desde 1978, a alemã BMW testa protótipos a hidrogênio. Sua mais recente tentativa é o Clean Energy, um BMW 750hL capaz de acelerar de zero a 100 km/h em 9,6 segundos. Seu tanque tem autonomia para percorrer 300 quilômetros. Se o hidrogênio acabar antes, um motor suplementar a gasolina dá conta do recado, pelo menos até o posto mais próximo. O hidrogênio é usado para produzir uma reação eletroquímica que gera a energia necessária para acionar os motores.

Carroça – Incolor e inodoro, o hidrogênio é encontrado em abundância na água, que é composta de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, representados na fórmula química H2O. O sucesso de qualquer novo combustível depende de uma infra-estrutura eficiente de postos de abastecimento. Os otimistas dizem que 2050 é a data limite para as reservas de petróleo darem sinais de escassez. Até lá, as companhias petrolíferas esperam que metade dos dois bilhões de automóveis previstos usem energia alternativa, como o hidrogênio, o álcool, o óleo de girassol misturado ao diesel, a bateria solar e o sopro dos ventos.

Enquanto os protótipos a hidrogênio não alcançam o equilíbrio entre custo e eficiência, no curto prazo a aposta são os carros híbridos, alimentados por duas fontes de combustível. Parte desses modelos experimentais trabalha com uma bateria elétrica e um tanque de gasolina, ou diesel. A bateria é suficiente para os trajetos urbanos, onde o trânsito e o congestionamento igualam os carros à velocidade das carroças do século XIX.

Um rali criado para ser o palco internacional de discussão sobre carros limpos testou no asfalto o desempenho de 56 carros com combustíveis alternativos. A quarta edição do Challenge Bibendum, criado em 1998 para celebrar o centenário do mascote gorducho da fabricante de pneus Michelin, avaliou carros de marcas famosas. As européias Audi, Alfa Romeo, Peugeot e Volvo, as japonesas Honda e Toyota e as americanas
Ford e General Motors foram algumas das que completaram o percurso entre as cidades de Heidelberg, na Alemanha, e Paris, na França.

Os testes de desempenho ocorreram no circuito de Fórmula 1 de Hockenheim, na Alemanha. Ali, ficou evidente que os carros elétricos ainda têm chão pela frente. Nas provas de emissão de gás carbônico (CO2), eles tiraram nota máxima. Seu outro ponto forte foi o silêncio dos motores. O ronco modesto faria feliz o imperador romano Claudius, que no primeiro século antes de Cristo baniu as barulhentas carruagens no calçamento de Roma, obrigando os pedestres a marcharem ou ser carregados em padiolas.

Quando se pensa em potência, no entanto, nada como os velhos derivados de petróleo. Por isso não é estranho que no topo do ranking de velocidade estejam os modelos com motores a gás natural veicular ou a gás liquefeito de petróleo, o GLP, que emitem até um terço menos dióxido de carbono do que os motores convencionais. Nas provas de aceleração, frenagem e slalon, que avaliam o comportamento nas curvas, o desempenho dependeu mais da robustez da carroceria do que do combustível em si. De modo geral, os carros com maior estabilidade tiveram melhor colocação nos quesitos de performance.

Hoje existem 4,5 milhões de veículos rodando com GLP, o mesmo botijão usado na cozinha. Cerca de um milhão de carros adotaram outro gás, o natural veicular, também usado no Brasil, que está presente no ar que respiramos e no subsolo, onde é produzido pela fermentação de material orgânico. Adepto da última palavra em tecnologia, os carros solares são abastecidos de energia pelos mesmos painéis usados para alimentar as estações espaciais. Com poluição quase inexistente, essa solução ainda é cara, mas tem futuro promissor, em especial nos países como o Brasil, onde o Sol brilha o ano todo.

Não há formas de investir em carros ecológicos sem fazer sacrifícios. “O caminho para uma sociedade mais limpa pressupõe algumas concessões. Como não é possível obrigar as pessoas a manter o carro em casa, há outras saídas, como jamais andar em alta velocidade”, explica Edouard Michelin, principal executivo da patrocinadora do rally ecológico. O sacrifício não é pequeno para esse empresário que, aos 39 anos, tem na garagem um Audi RS4 de edição limitada, com 380 cavalos e preço estimado em US$ 63 mil.

Pé no freio – Embora os motores dos carros sejam preparados para voar no asfalto, a maioria dos carros circula em ruas congestionadas.
Por isso, não parece absurda a idéia do inventor americano Dean Kamen, que deve acompanhar sua patinete inteligente na estréia brasileira, durante o salão do automóvel que acontece em São Paulo de 10 a 20 de outubro. Sua patinete a bateria roda cerca de 20 quilômetros em terreno pouco acidentado com uma única bateria. “As pessoas que vivem em cidade cheias e poluídas não rodam muito mais do que para ir ao trabalho, ao cinema e voltar para casa”, diz Kamen, que usa o transportador humano Segway na cidade americana de Manchester, em New Hampshire, onde vive.

Após um alvoroço que se seguiu à primeira trombada da patinete, Kamen festeja a recente aprovação de 31 Estados americanos para que sua geringonça sem acelerador nem freio deslize pela calçada. A velocidade máxima ficou em 15 km/h, quase três vezes superior a um apressado par de pernas. A patinete anda e pára ao sabor do balanço do corpo. Ela parece decifrar o jogo de cintura do motorista e responde a seu desejo de andar ou brecar.

Videogame – Equipada com giroscópios para captar o movimento do piloto, a patinete custa US$ 6 mil nos EUA, tem botões para girar em todas as direções e vem preparada para rodar em três velocidades. No modo aprendiz, feito para o motorista ganhar confiança, o máximo é 8 km/h. Na versão para calçada, o limite fica em 14 km/h e no modo radical, chega-se a 20 km/h. Até agora, policiais e funcionários dos correios testam o novo meio de transporte urbano. “Não tem sentido ter um veículo que anda a 90 km/h para percorrer três quilômetros de congestionamento”, critica Kanem, que acompanha o desempenho dos estudantes brasileiros na competição anual de robôs nos EUA.

Enquanto o futuro não chega, a estilista francesa Coqueline Courrèges ergueu as mangas e construiu um carro elétrico com persianas de
fibra de vidro transparente em toda a circunferência. Dedicou sua criação às estrelas, às galáxias, ao Sol e à Lua. A semi-esfera ambulante alcança 75 km/h, o suficiente para detonar um jogo de baterias. Seu tanque faz 100 quilômetros com 1,52 euro (cerca de R$ 5,5). A obra é um alerta sobre a finitude e o papel do ser humano na destruição do planeta. Madame Courrèges esquentou o debate entre políticos e dirigentes de montadoras no Parlamento europeu, em Estrasburgo, na primeira pausa do rali em território francês.

Depois de uma discussão acalorada, concluiu-se que os custos não compensam o empenho das montadoras e das companhias petrolíferas em apressar a pesquisa com o veículo elétrico movido a hidrogênio. Para o curto prazo, a aposta recai mesmo sobre os modelos híbridos, que aliam a confiabilidade da gasolina aos combustíveis alternativos.

Para sair dessa encruzilhada, uma das saídas é investir na tecnologia. Um dos mais revolucionários veículos do amanhã são os chamados by-wire, que transferem o controle do automóvel a um sistema de sensores e comandos eletrônicos em vez dos convencionais sistemas mecânicos. Sem pedais ou acelerador, o automóvel Novanta, presente no rali ecológico, tem um misto de joystick e guidão de motocicleta no lugar do volante. Para pilotar o carro é preciso um tempo de adaptação: basta girar o guidão para acelerar ou pressioná-lo para acionar os freios. “É tudo uma questão de conforto e de costume”, afirma o italiano Filipo Zingariello, vice-presidente da SKF, companhia sueca que fornece suprimentos ao Novanta. Seu mais novo cliente é a General Motors, que aproveitou o Salão do Automóvel, em Paris, para fazer a première mundial do modelo ultratecnológico Hy-Wire. Embora ainda seja um protótipo a quilômetros de distância do asfalto, o carro comandado por eletrônica é uma sinalização de como serão as ruas num futuro ainda distante, quando os automóveis serão guiados por comandos eletrônicos, apesar do indescritível prazer implícito no ato de dirigir.