THE WASHINGTON POST

Sadismo: a soldado Lynndie protagonizou várias cenas de horror contra iraquianos

"Eles bateram as nossas cabeças contra as paredes e portas. Eu não enxergava nada.” O relato é do preso iraquiano Hayder Sabbar Abd, humilhado, espancado por soldados americanos que tomavam conta da prisão de Abu Ghraib, próxima à capital Bagdá e a mesma em que o ex-ditador Saddam Hussein torturava os opositores de seu regime. Em duas horas de tortura, Abd acredita que levou 50 golpes. Seu maxilar foi triturado e hoje ele tem dificuldades de comer. Mas não foi apenas a pancadaria. “Então, o intérprete nos disse que era para tirarmos nossa roupa. Nós lhe retrucamos: você é muçulmano e sabe que, como muçulmanos, não podemos fazer isso. Quando nos recusamos, eles nos bateram e arrancaram nossas roupas com lâminas”, continuou Abd. Momentos mais degradantes estariam por vir. Encapuzado e nu, Abd cobria seus genitais com as mãos quando percebeu que uma soldado aproximava outro preso iraquiano de sua genitália. “Eles fizeram o preso ficar do meu lado. Meu pênis estava muito perto de sua boca. Por causa do capuz, eu não sabia que era o meu amigo Hussein”, lembra.

Quem aparece em várias fotos sorrindo ao lado de Abd totalmente nu é a soldado americana Lynndie England, de 21 anos. Ironicamente, a moça que queria ser meteorologista encontrou no Iraque sua tempestade. As fotos com Lynndie no papel de carrasco de prisioneiros iraquianos foram exaustivamente divulgadas em toda mídia internacional. Aparentemente, Lynndie está grávida de um colega militar, o sargento Charles Graver. Mas, então, que diabos estava essa moça do interior da Virgínia Ocidental fazendo quando, com o cigarro na boca à Humphrey Bogart, sorria apontando para os pênis dos presos iraquianos? Ou puxando um deles com uma coleira, como se fosse um animal? Para seus pais, a soldado Lynndie apenas obedeceu ordens de seus superiores. “Se ela fez tudo aquilo, é porque alguém em posição mais alta a mandou fazer”, afirmaram os pais.

EFE/DSK /EFE/DSK

A prisão de Abu Ghraib abrigou prisioneiros de Saddam e agora foi palco de abusos de militares dos EUA contra civis iraquianos

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Não há dúvidas de que os superiores da recruta foram coniventes ou até participaram dessa flagrante violação dos direitos humanos. Aliás, já é sabido que o mais alto superior dos soldados americanos, aquele responsável por todas as operações militares no Iraque, tinha conhecimento dos abusos que aconteceram em janeiro deste ano naquela prisão iraquiana. O senhor Donald Rumsfeld, secretário de Defesa dos Estados Unidos, há meses recebeu um relatório do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) que alertava sobre os maus-tratos na prisão. A organização internacional realizou visitas regulares e entrevistou os prisioneiros iraquianos. “O CIVC, alertado da situação em Abu Ghraib e baseado em suas próprias constatações, requereu repetidamente às autoridades dos EUA ações corretivas”, afirma o comunicado oficial da entidade.

A cabeça de Rumsfeld está a prêmio. Os candidatos a Salomé são muitos, a começar pelo candidato democrata John Kerry, que irá concorrer às eleições com o presidente republicano George W. Bush. A prestigiada revista britânica The Economist estampa em sua capa uma foto de um torturado iraquiano com os seguintes dizeres: “Renuncie, Rumsfeld.” Até os americanos sentem-se indignados e envergonhados pelo episódio. Na sexta-feira 7, o depoimento de Rumsfeld no Congresso foi interrompido por manifestantes que exigiam sua demissão. Durante alguns minutos, enquanto o secretário de Defesa bebia um copo de água com pose de ator, ecoavam na sala do Congresso os gritos dos manifestantes: “Demitam Rumsfeld!, Demitam Rumsfeld!” Com gestos milimetricamente medidos, o secretário desculpou-se, assumiu a responsabilidade para si e ainda mostrou-se comovido. “Esses eventos aconteceram sob a minha supervisão. Como secretário da Defesa, eu me responsabilizo por eles. Assumo a total responsabilidade”, disse ele aos congressitas americanos. E ainda prometeu investigar e punir os responsáveis. Mas o secretário negou que tivesse tido conhecimento prévio do assunto. “Imaginem nossas caras de surpresa no Departamento da Defesa quando soubemos pela mídia!”, exclamou ele. Rumsfeld admitiu que “falhou ao reconhecer que assunto de tal gravidade deveria ter sido levado às mais altas autoridades, incluindo o presidente e membros do Congresso”.

Dificilmente o secretário de Defesa deixará o governo Bush. Ainda mais durante a corrida para as eleições presidenciais. “O secretário de Defesa serviu bem à nação. Foi secretário em duas guerras e é parte importante do governo”, afirmou o presidente George W. Bush. Se publicamente Bush saiu em defesa de seu secretário, nos bastidores ele lhe aplicou um belo puxão de orelhas, segundo dois assessores da Casa Branca que preferiram não se identificar. A estratégia do governo americano é limpar a barra do presidente e punir logo os culpados, antes que a situação piore. Para o analista Tom Curry, da emissora de tevê NBC, se a situação do secretário de Defesa for traduzida em prejuízo eleitoral, então realmente Rumsfeld poderá ser demitido. “No passado, secretários de Defesa sobreviveram a catástrofes piores do que os abusos na prisão de Abu Ghraib. Mas a apenas seis meses das eleições, Bush e seus estrategistas estão avaliando quanto a permanência de Rumsfeld poderá prejudicar as chances do presidente de conquistar um segundo mandato”, afirmou Curry. A mesma emissora de tevê fez uma pesquisa com 70 mil pessoas e constatou que 67% dos entrevistados querem a renúncia do secretário de Defesa. Sabiamente, os democratas estão capitalizando o momento para detonar o governo Bush. No campo internacional, Bush levou umas chapuletadas até dos aliados, como o Japão, que mantém tropas no Iraque. E a coalizão poderá ainda piorar se for comprovado o envolvimento nas torturas de tropas britânicas, como afirma o tablóide inglês Daily Mirror.

Inicialmente, o presidente não quis pedir desculpas aos países árabes, apesar de chamar o episódio de “abominável” durante duas entrevistas a redes de televisões árabes. A palavra “desculpa” era fundamental e, na falta dela, instalou-se um profundo mal-estar nos países árabes. Bush finalmente entregou os pontos e desculpou-se publicamente durante a visita aos EUA do rei da Jordânia, Abdulá Hussein. Mas o presidente insistiu em dizer, em discurso repetido por Rumsfeld aos parlamentares, que o episódio da prisão de Abu Ghraib é um fato isolado na atuação do Exército americano no Iraque. Mas ainda existem muitos vídeos que não foram divulgados, de acordo com o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general Richard Meyers. Ou seja, muito pode estar por vir até que a responsabilidade do Iraque esteja finalmente nas mãos dos iraquianos. Rumsfeld argumentou que os EUA “estão no caminho certo”. Imagine se não estivessem.

lamarque/reuters

Americanos invadem o Congresso e exigem a demissão do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, posi ção também defendida pela The Economist


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