Confiança: “Em vez de depender de salvadores da pátria, o brasileiro decidiu apostar mais em si”, avalia Ana Beatriz Barbosa Silva

Desencantado com o governo que elegeu? Pisando em ovos para não perder o emprego? Com medo de sair às ruas e ser assaltado? Seu time de futebol só dá desgosto? Nem mesmo o quadrante difícil da vida nacional, com más notícias assombrando diariamente o noticiário, tira a esperança desse povo sobrevivente. “O brasileiro não é melancólico e fatalista como os argentinos, tira otimismo de onde menos se espera”, explica a psicóloga carioca Beth Valentim, autora do best seller Essa tal felicidade. Mestre em psicologia social, Beth acompanha em seu consultório – e também em empresas nas quais atua como consultora – a luta de todos para se livrarem do baixo-astral. “É preciso acordar todas as manhãs e acreditar que as coisas boas vão acontecer”, recomenda Beth, que chama a esse esforço de “musculação emocional”. Ana Beatriz Barbosa Silva, diretora médica do Núcleo de Medicina do Comportamento (Napades), tem atendido pacientes desgostosos com a vida, com o País, com o mundo, o que ela chama de stress coletivo. “As más notícias vão pingando até transbordar”, conta a autora do livro Mentes e manias. O brasileiro, segundo ela, está aprendendo a mudar suas expectativas. “Em vez de depender de sonhos coletivos, de utopias, de salvadores da pátria, o brasileiro decidiu apostar mais em si”, analisa. Para o antropólogo Gilberto Velho, a mobilização social pode ser a chave para superar o clima de desilusão. A baixa auto-estima nacional, lembra ele, se reflete num desencanto com uma de nossas maiores conquistas, a democracia. Sinal disso é o recém-divulgado estudo das Nações Unidas, mostrando que 54% dos latino-americanos não se importariam em viver numa ditadura, desde que acompanhada de um cenário econômico melhor. Quando o tema é a adesão da população à democracia, o Brasil ocupa a 15ª posição entre os 18 países da América Latina pesquisados.

Fotos: Divulgação

La Peña: piada até com o seu Botafogo

Um exemplo de volta por cima é Luciana Novaes. Na quarta-feira 5, a jovem de 20 anos, tetraplégica e respirando com o auxílio de aparelhos, completou um ano internada na UTI de um hospital no Rio de Janeiro. Há um ano, a estudante foi atingida por uma bala perdida no campus da Universidade Estácio de Sá. Quem não conhece a garra e o bom humor de Luciana pode se surpreender, mas ela tem muito o que comemorar. Comunicando-se durante quase um ano piscando os olhos ou movendo os lábios, ela reconstruiu há algumas semanas sua ponte com o mundo. Com a ajuda de fisioterapeutas, reaprendeu a falar mesmo usando o respirador artificial. Vítima da violência, Luciana decidiu reagir engajando-se em uma campanha pelo desarmamento. Junto com ela estão os pais de Gabriela Prado Maia Ribeiro, morta aos 14 anos por uma bala perdida em uma estação do metrô, e de Camila Magalhães Lima, atingida no pescoço também por uma bala perdida em 1998, hoje com 17 anos. “Não adianta ficar sentada chorando, nem parada esperando o governo fazer alguma coisa. Não posso sair daqui, mas posso fazer a diferença, mesmo em cima da cama”, ensina Luciana.

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Max G Pinto

Axé: Mãe Carmem aposta na fé, no bem e na igualdade

Passar horas enfiado num carro preso em intermináveis congestionamentos, escapando das enchentes e torcendo para não ser o assaltado da vez vive o supervisor de vendas de uma grande multinacional Luigi di Costanzo Filho, 40 anos. Só nos últimos meses foi assaltado duas vezes: por um pivete na praça da República, centro da cidade, e por um jovem no Cambuci, também na região central. No último, estava em companhia da mulher e dos filhos. Foram-se R$ 100 em cada roubo, um relógio e uma tênue sensação de tranquilidade. “Não paro mais em sinal. Outro dia tomei até uma multa por furar um. Mas não quero nem saber. Minha vida vale mais do que uma infração”, diz Cortanzo Filho. Apesar dos sustos, ele ainda acredita que os filhos possam viver num país melhor e mais justo. A solução, avalia, passa por reformas, como a tributária e a trabalhista. “Só com mais receita e menos encargos o País terá condições de crescer e gerar mais renda”, afirma. Enquanto as reformas não vêm, o jeito é tocar a vida e tentar fugir dos buracos, das enchentes, dos assaltantes. Sem perder o humor.

Hélcio Nagamine

Torcida: Luigi não perde a crença em dias melhores

“O humor é o viagra do astral brasileiro”, recomenda o caceta Hélio de La Peña. “Desde que nasci, o País está sempre atravessando uma crise sem precedentes”, brinca. O Casseta & Planeta, conta ele, tem sua própria fórmula para manter o astral elevado. “Fazemos piadas com os assuntos que nos deixam injuriados. Mas só isso não resolve. Jogamos uma peladinha toda sexta-feira pra descarregar”, revela. De La Peña acredita tanto em superação que resolveu protagonizar uma campanha na tevê, Botafogo no Coração, em que, ao lado de jogadores como Luisão, apela aos torcedores para que apóiem o seu time do coração. Nem a má fase do centenário Botafogo, um fiasco no Carioca e agora no Brasileiro, desanima o humorista. “Fui convidado para fazer o anúncio, que, aliás, ficou alto astral, ao contrário das últimas partidas do time. Mas ainda não me chamaram para dar uma força dentro de campo”, esclarece. O humorista perde a partida, mas não perde a piada. “Acho que o Botafogo está no caminho certo. Já tirou o técnico (Levir Culpi, que se demitiu há duas semanas). Agora, só falta tirar a defesa, o ataque e o meio-de-campo. O resto está perfeito”, debocha.

Andar com fé – Nas últimas semanas, um mago tenta pousar nas Laranjeiras. Só não encontrou ainda a porta de entrada. “A descrença é um dos piores efeitos do baixo-astral”, atesta o “bruxo” Francisco José Gomes Pereira, que procura dirigentes do Fluminense para tentar convencê-los a aplicar uma cura espiritual nos jogadores do time. Enquanto não é recebido, ensina os pacientes que o procuram em seu “consultório” espiritual no Caxambi, zona norte do Rio, que orar é o melhor remédio. “Está todo mundo meio borocoxô”, reconhece Francisco, que viu suas consultas dobrarem este ano. Com a ajuda do baralho de tarô e, segundo ele, muita energia positiva, tem conseguido melhorar o astral dos clientes. “É tudo uma questão de foco. Já me procuraram para abrir cofre, imagine só. Muitas pessoas estão com as prioridades erradas na vida”, diagnostica.

Wilton Junior/Ag Estado/AE

Lição: Luciana entra em campanha pelo desarmamento

Reza e banhos de ervas podem até ajudar, mas não são remédios milagrosos para devolver o axé ao povo. Da Bahia, mais precisamente do Gantois, onde até o presidente Lula já esteve para buscar orientação e iluminação, Mãe Carmem, aconselha: “Se espiritualizem! Olhem o próximo como a si mesmo.” A filha de Mãe Menininha, escolhida pelos orixás para comandar o terreiro mais famoso do Brasil, vai além. Ao afirmar que “quando as coisas ficam muito ruins é sinal que a aurora está por vir”, ela pede uma pitada de paciência e uma boa mão de fé. “Esse é um ano de transição, uma espécie de arrastão que remove a sujeira, a lama e toda a sua podridão. Vai passar”, avisa. Para aqueles que pensam que acumular riquezas é a melhor maneira de se manter em alta e longe dos problemas, a ialorixá adverte: “De que adianta ser rico e ter contas no Exterior? Ponham o dinheiro aqui, invistam aqui, gerem empregos. Essa é a melhor forma de tirar o País do baixo-astral, até porque o bem não tem religião nem partido político.” Mãe Lúcia, líder espiritual do terreiro São Jorge Filho da Goméia cutuca os políticos, embora não tenha deixado de acreditar no governo Lula. Ela, que tem um forte trabalho social com a comunidade em Lauro de Freitas, na Bahia, prega: “É preciso haver mais união e solidariedade quando está em questão o bem comum. Isso, sim, é capaz de puxar o Brasil para cima.”

Quando nada parece resolver, pode-se recorrer a um arsenal de amuletos e talismãs: desde figas e pés-de-coelho vendidos em camelôs até uma linha de jóias chiques, como piercings com diamantes imitando arrudas e figas de ouro, desenhadas especialmente para clientes que querem elevar o astral sem perder a classe. “Nada melhor do que enfrentar o baixo-astral com estilo”, recomenda a designer de jóias Lilian Granado, da Galeria Esfera, em Ipanema, zona sul. Ela própria não se separa do seu pingente de ouro em forma de galho de arruda. Na linha de peças que protegem, defendem e guardam seu portador, faz especial sucesso um pingente que é um sapinho de ouro com esmeralda, símbolo de prosperidade e sorte. “São verdadeiros talismãs para serem carregados todos os dias.” Sócia de Lilian, Rose Carvalho também se especializou em uma linha de mandalas, entre anéis, colares e pingentes que teriam o poder de reenergizar o espírito – além de esvaziar um pouco o bolso.



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