Na metade dos anos 90, a construção de uma estação espacial gigantesca, executada por 16 nações e liderada
pela Nasa, a agência espacial americana, atraía a atenção do público e da comunidade científica. Orbitando a Terra
a uma altitude média de 354 quilômetros, ela seria o terceiro corpo mais luminoso dos céus, perdendo só para a Lua e Vênus. Com seis tripulantes e 108,5 metros de largura, ou um terço da altura da Torre Eiffel, em Paris, ela seria também a maior estrutura já montada no espaço.
A Nasa se mostrava confiante. Segundo
a agência, a estação abriria caminho
para importantes pesquisas em órbita
e possibilitaria o planejamento de missões tripuladas a Marte.

Mas não foi o que aconteceu. Seu custo de produção, estimado em US$ 17 bilhões no início da década de 90, saltou para US$ 35 bilhões em poucos anos e, atualmente, pode passar da casa dos US$ 60 bilhões. Os atrasos no cronograma também se tornaram crescentes. A Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) estava prevista para ser finalizada entre 2003 e 2004. Agora, não deverá estar pronta antes de 2006. Isso se o projeto inicial não for reduzido, na tentativa de conter os custos.

O consórcio de construção da ISS é formado por 15 nações, sendo
que as principais são Estados Unidos e Rússia. O Brasil, por meio
de um acordo direto com a Nasa, tornou-se, em 1997, o 16ª
participante e o único país em desenvolvimento a participar de sua construção. Para o País, as perspectivas eram boas. Além de envolver
a indústria nacional na produção de equipamentos de alta tecnologia,
a Nasa garantia um espaço na estação espacial para experimentos
na chamada microgravidade, que podem ajudar a desenvolver
novas vacinas e medicamentos.

A posição do País, no entanto, não é das melhores. Entre os dias
30 de setembro e 1º de outubro, membros da Agência Espacial
Brasileira (AEB) deverão se reunir com a Nasa para discutir sua permanência no projeto da ISS. A situação é delicada. Quando
o Brasil entrou no projeto, sua tarefa era a de desembolsar
US$ 120 milhões para produzir seis equipamentos. Mas, como
ocorreu com os demais participantes, o detalhamento do orçamento mostrou que os custos teriam de ser maiores. Só o preço para a fabricação da primeira peça foi estimado em US$ 140 milhões.

“Agora que temos um orçamento detalhado, vamos nos reunir com a Nasa para rever o programa como um todo”, comenta Múcio Roberto Dias, presidente da AEB e um dos negociadores brasileiros. “Mas o Brasil continua no projeto da estação.” A posição da Nasa é semelhante. “Acho difícil que o Brasil saia”, afirma Mark Hershey, representante da Nasa no País. A peça que estourou o orçamento brasileiro é chamada de palete expresso. Ela é uma estrutura que deverá ser fixada no exterior da ISS e servirá para abrigar experimentos científicos. Pelo cronograma, ela deveria ser entregue em 2005. A Nasa chegou inclusive a abrir licitação para a sua produção nos EUA, em caso de a agência brasileira não cumprir os prazos. “Mesmo que isso ocorra, o Brasil pode contribuir com outros equipamentos”, comenta Dias.

Barulho no espaço – Além do acordo de participação na Estação Espacial, o País conta com um astronauta brasileiro, o major Marcos Pontes. Mesmo que o Brasil tenha problemas no projeto, isso não impede que o astronauta seja escalado em uma futura missão espacial. No final de 2001, Pontes terminou seu treinamento básico e, agora, participa de uma série de treinos específicos. No entanto, ele não deve ser escalado antes de 2004.

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Quando o brasileiro entrar em órbita, sua experiência poderá não ser das melhores. Além dos problemas de custo e orçamento, a estação tem um defeito grave para os seus tripulantes: o excesso de ruído. Devido a cortes sucessivos de verbas, alguns componentes de isolamento acústico foram deixados de lado durante a construção do módulo de serviço, da Rússia, que abriga o principal centro de operações da ISS.

São ventiladores, transformadores, bombas e outros equipamentos
que funcionam continuamente, tornando um inferno a vida da tripulação. Na última estimativa feita pela Nasa, o barulho no local de trabalho
era de 75 decibéis, o equivalente a um aspirador de pó ligado o tempo inteiro. Nas áreas críticas, o ruído podia ser comparado ao de um triturador de comida. A agência americana chegou a distribuir fones
de ouvido e estudar formas de isolar alguns equipamentos, mas não
foi o suficiente. Segundo um astronauta, o sinal de alarme não era
alto o bastante para vencer o ruído de fundo.

Os problemas não param aí. Com um orçamento reduzido, a Nasa estuda a possibilidade de alterar o projeto da ISS no meio do caminho, deixando-a com dimensões menores e apenas três tripulantes, em vez de seis. “Sou otimista de que teremos mais astronautas, mas não posso dizer qual será a decisão final do Congresso dos EUA”, analisa Hershey.

Segundo especialistas, a redução da ISS comprometeria um dos principais aspectos pelos quais ela chegou a ser construída, o
científico. Em julho deste ano, um grupo de pesquisadores analisou
os riscos que a diminuição da estação poderá trazer para a ciência.
Os resultados não foram nada promissores. O relatório indicou que,
se o projeto inicial não for mantido, “a Nasa deveria deixar de caracterizar a ISS como um programa destinado à ciência”. Somente
com três tripulantes, muitos experimentos teriam que ser deixados de lado, e os benefícios da ISS seriam ainda mais duvidosos. “O programa passa por um momento difícil”, comenta Dias.

Os demais países envolvidos no projeto reagiram mal à proposta de redução. A situação foi bem definida por Doug Bassett, da Agência Espacial Canadense. Durante uma reunião na Nasa sobre o futuro
do empreendimento, ele foi claro: faltava pouco para a estação se
tornar “o maior elefante branco da história da humanidade”. Isso
pode estar cada vez mais perto de acontecer.


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