O grampo ilegal que registrou a versão do empresário Fábio Monteiro de Barros a respeito da fortuna do juiz Lalau é apenas um dos subprodutos de um caso de polícia. Expoente da Opus Dei – grupo católico conservador fundado em 1928 que tem muita influência no Vaticano – em São Paulo, o advogado José Carlos Graça Wagner é um profissional conceituado. Ele atua na área tributária há quase cinco décadas e seu escritório sempre foi qualificado como um dos melhores do País. Nos últimos anos, no entanto, o escritório Graça Wagner & Associados passou a protagonizar o papel de réu. Antigos clientes como as livrarias Cultura e Martins Fontes e a Revlon recorreram à Justiça para denunciar que milionários depósitos feitos em juízo foram desviados pelo escritório para contas no Brasil e no Exterior, sem que houvesse a concordância dos clientes. “Constatamos que houve efetivamente os desvios, chamamos todos os prejudicados para fazer acordos e já estamos pagando um a um. Todos serão ressarcidos”, lembra José Eduardo Graça Wagner, filho do advogado e responsável pelo grampo que vitimou Fábio Monteiro de Barros. “Temos um nome e um passado a zelar e então resolvemos investigar o que estava acontecendo. Por isso, espalhamos os grampos por todo o escritório, embora meu pai só viesse a saber disso meses depois”, tentou justificar. O método muito pouco ortodoxo de investigar a própria casa, segundo José Eduardo, deu certo. Em março, o escritório Graça Wagner encaminhou ao Ministério Público uma série de denúncias contra o advogado Eduardo Gioielli, ex-sócio, acusado de ser o responsável pelos desfalques. “A documentação apresentada é forte e será investigada”, diz o promotor José Carlos Blat.

A arapongagem doméstica instalada por José Eduardo transformou o escritório em uma arapuca, mas registrou também, desta vez de forma legal – pois pelo menos um dos interlocutores tinha ciência do grampo –, uma incrível tentativa de corrupção envolvendo membros do Judiciário e do Legislativo de São Paulo. Em julho de 2000 foram gravadas três reuniões entre José Eduardo, Sérgio Russo (advogado do escritório) e Luiz Souto Madureira, um dos principais auxiliares do deputado estadual Campos Machado, presidente do PTB de São Paulo, e na época candidato a vice-prefeito na chapa do atual governador Geraldo Alckmin. Na ocasião, o escritório Graça Wagner brigava no Tribunal de Alçada Civil pela liberação de R$ 20 milhões que um ex-cliente conseguira reter como garantia de dívida. A decisão para liberação do dinheiro estava para ser julgada pelo juiz Willian Campos, primo do deputado Campos Machado. As conversas gravadas no escritório mostram a anatomia da corrupção. A primeira reunião foi em 11 de julho e Madureira prometeu que o deputado iria interferir com o primo para que a decisão fosse favorável ao escritório. Leia parte do diálogo:

Luiz Madureira – O que o deputado fará é chegar no doutor Willian. Ele vai dizer, olha aqui desembargador, o doutor Graça é meu amigo, meu irmão, uma pessoa que está ajudando o PTB e estão com um problema aqui (indicando para o processo).
Precisamos ver se conseguimos evitar uma injustiça.

José Eduardo – Mas é garantido que isso
dará resultado?

Luiz Madureira – Sabe como funciona isso na Justiça. Muitas vezes o desembargador nem lê o processo. Precisamos levar o processo até ele e indicar onde estão os principais problemas. Eu tenho certeza absoluta que ele vai resolver… Outro dia eu estava com o Campos (deputado), dizia, olha o que nós precisamos para tocar a campanha. Vamos ajudar 640 municípios. Na capital, não. Isso ficará com o PSDB. Tem município que nós vamos gastar R$ 2 mil com santinho, camiseta, etc. Tem município que nós vamos gastar R$ 50 mil. Se gastarmos uma média de R$ 10 mil por município, vamos gastar R$ 6,4 milhões. Isso mostra o tamanho da coisa. Então, se você pudesse…

José Eduardo – Mas, vamos, pode falar. Vamos ver isso como é…

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Luiz Madureira – Bom, vamos ver… o valor da causa é R$ 20 milhões… acho que uns 10%…

José Eduardo – Claro. Se conseguir isso rápido eu até te melhoro esse percentual.

Luiz Madureira – Uns 15%. Você chega em 15%.

José Eduardo – Claro.

Luiz Madureira – Então tá fechado (batendo na mesa). Me dá uma cópia disso tudo…

José Eduardo – Olha, se resolver isso rápido, pode ficar com 20%.

Luiz Madureira – Ótimo, assim estimula mais. Acho que está resolvido. Aguarde um telefonema meu.

Na segunda reunião, em 20 de julho, Madureira comunicou que o deputado Campos Machado já havia conversado com o juiz Willian Campos e saiu do escritório com um cheque para o pagamento de 20 mil camisetas de campanha. Na terceira reunião, o assessor do deputado apenas disse que estava caminhando bem. “O negócio não deu certo porque meu pai ficou sabendo de tudo e resolveu não dar nenhum dinheiro”, afirma José Eduardo. O deputado Campos Machado, procurado por ISTOÉ, afirmou que Madureira foi “vítima de uma armação”. “Esse rapaz (José Eduardo) tinha pretensões políticas e por isso se aproximou do Madureira e chegou a contribuir com umas camisetas, mas jamais houve qualquer tentativa de corrupção tanto de minha parte como da parte do doutor Willian Campos. A decisão de Willian Campos foi contra o escritório, mas depois acertamos a dívida com a empresa que nos processava e o dinheiro apreendido foi devolvido. Não posso revelar mais detalhes porque no contrato com essa empresa existe uma cláusula que proíbe sua divulgação”, diz José Eduardo.

Todo o material contendo a gravação da tentativa de corrupção foi levado ao Ministério Público. Os promotores, porém, por determinação legal, encaminharam o caso à Corregedoria do Tribunal de Justiça. Por causa de suas denúncias, José Eduardo diz estar sendo vítima de perseguição política. Ele afirma que na manhã da quinta-feira 16 sua casa foi invadida pela polícia, que apreendeu duas armas. “Sabem que tenho muita coisa para contar e estão me perseguindo. Sei que algumas gravações são ilegais, mas não vou calar. Acho que um país melhor passa por denúncias como essas que fiz. Coleciono armas desde 1993 e as que foram apreendidas estão regularizadas”, disse o responsável pelos grampos instalados no escritório do pai.


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