Pintor pós-impressionista, Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901) ficou famoso por suas litogravuras da vida mundana parisiense. Vítima de sequelas de acidentes na adolescência que lhe atrofiaram as duas pernas e lhe davam uma aparência nanica, Lautrec não se fazia de rogado. Era um apaixonado pelas mulheres. A atriz Marcelle Lender foi um de seus casos. Tomou-se de amores por ela em 1895 ao assisti-la na ópera bufa Galeswinthe en chilpéric e, em seguida, a desenhou sob as luzes da ribalta. Mas é claro que Sarah Bernhardt, a primeira grande estrela do teatro francês, não poderia faltar nas telas de Lautrec. Afinal, seus trabalhos são um dos ícones máximos da efervescência vivida na França de 1900, quando a revolução industrial turbina a burguesia, que se apropria de símbolos e produtos antes exclusivos da nobreza, como as obras de arte, introduz os modelos plebeus e cria em série, multiplicando pinturas, esculturas, objetos e lucros. É sob esta atmosfera que o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro montou a exposição Paris 1900, em cartaz a partir da terça-feira 21, com 175 peças do acervo do Petit Palais de Paris, exibido pela primeira vez na América Latina.

Foi uma fase fervilhante na Cidade Luz, à época com um milhão e meio de habitantes e ainda cercada por muralhas, só derrubadas durante a Primeira Guerra. No mesmo período de brilho foram inauguradas a Torre Eiffel, a primeira estação de metrô e o próprio Petit Palais, entre outros monumentos da cidade recém-repaginada pelo barão Haussman a pedido de Napoleão III. A vida noturna era pontuada por dezenas de teatros, circos, centenas de cafés-concerto e uma infinidade de novas praças e ruas eletrificadas. Todo este ambiente pode ser desfrutado em seu esplendor na mostra que custou ao CCBB R$ 1,3 milhão, como destaca o coordenador-geral Romaric Buel, que negociou a vinda das obras ao Brasil enquanto o Petit Palais está fechado para reforma. “O conceito da exposição é da arte total, da pintura, da escultura, das fotografias, dos objetos e das jóias art nouveau”, esclarece ele. A curadoria é de Gilles Chazal, diretor do museu parisiense.

As mulheres são um capítulo à parte. Começando pela própria Sarah Bernhardt, que ganhou sala exclusiva por celebrar a mulher sinônimo da arte dramática. Tipo mignon, contrastando com os opulentos modelos de beleza dos anos 70 e 80 do século XIX, Sarah também foi uma pioneira na autopromoção ao distribuir suas próprias fotografias. Na relação com a pintura, quem toma o lugar da nobreza nos retratos produzidos por grandes mestres são as atrizes, as jovens midinettes e as trabalhadoras urbanas independentes. O pintor Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) é um dos que vivem esta mudança de costumes ao admitir o fracasso comercial das exposições impressionistas – não sem passar por uma crise existencial – e depois aderir à nova forma de arte. Em apenas três sessões, a preços acessíveis ele produzia grandes retratos, como o de Henriette de Bonnières, mulher de Robert de Bonnières, romancista e crítico do jornal Le Figaro.

Marchand – O mecenato também encontrou nova moldura naqueles tempos. Ambroise Vollard (1866-1939) – que tem sala exclusiva na exposição –, aos 21 anos mudou-se do interior da França para Paris onde se tornou marchand e colecionador. Em 1901, foi o primeiro a expor o jovem e então desconhecido artista espanhol Pablo Picasso. Ainda tornou-se amigo de iniciantes, como Paul Cézanne, Paul Gauguin e Vicent van Gogh. Ao mesmo tempo que adquiria coleções e trabalhos avulsos dos pintores, era retratado por eles. Cézanne foi o primeiro, em 1899. Consta que o pintor exigia de seu modelo silêncio e imobilidade absolutos. “Vollard posou mais de 80 horas para o quadro”, conta Buel, referindo-se à obra mais cara do evento, avaliada em US$ 20 milhões. O marchand deixou várias obras em testamento para o Petit Palais.

Uma das curiosidades da mostra é a sala destinada aos simbolistas, considerados os últimos românticos, em contraponto ao cientificismo de então. Eles buscavam o sentido da alma através do símbolo e tinham entre seus expoentes Richard Wagner na música, Gustave Moreau na pintura e Charles Baudelaire na literatura. Peças art nouveau, a chamada arte aplicada, típica do cotidiano, também ganharam espaço exclusivo com objetos como o artesanato comprado pela clientela abastada de Émile Gallé, um dos maiores artistas do estilo. São vasos que podem ser transformados em abajures, num revolucionário uso do vidro, com novas formas de gravação, entremeadas de pedras e metais. Durante a mostra, os visitantes poderão ainda apreciar os elegantes trajes usados pela burguesia em ascensão, tomar uma taça de vinho no Café Sarah Bernhardt ou se informar sobre a época em seminários. Enfim, reviver a Paris de 1900.