Humor é mais ou menos como vinho. Não costuma viajar bem. Assim, os americanos riem de uma piada da qual os brasileiros não acham a menor graça. Mas, ao contrário do vinho, o humor geralmente não melhora com o tempo. Aquilo que foi hilariante na época da vovó hoje pode parecer apenas ingênuo. Seguindo essas premissas, o programa humorístico americano Saturday Night Live é uma espécie de Château d’Yquem Sauternes 1997, o melhor vinho de colecionador, segundo a revista Wine Spectator. Ambos podem ser consumidos depois de muitos anos e não sofrem tanto com o transporte. A série Saturday Night Live teve o poder de globalizar
a gargalhada. Passados 27 anos desde a estréia do programa na rede
de tevê NBC, o SNL – como ficou conhecido – firmou-se como culto internacional. Nesse período, criou santos da comédia em quantidades suficientes para encher os nichos do Vaticano. De Eddie Murphy a
Mike Myers – que pularam da telinha para o telão nas séries Um tira da pesada e Austin Powers, respectivamente – a John Belushi, Bill Murray, Dan Aykroyd, Billy Crystal, Adam Sandler, Gilda Radner e mais uma centena de engraçadinhos geniais. “O SNL é a academia de comédia
mais fecunda da história da televisão americana”, disse a ISTOÉ o crítico Tom Shales, do The Washington Post, e co-autor do best-seller Live
from New York: an uncensured history of Saturday Night Live
(Little Brown & Company, 594 págs., US$ 25.95). Junto com James Andrew Miller, um veterano escritor do programa, Shales entrevistou dezenas
de ícones desta escola do riso, vasculhando seus bastidores surrealistas. Lá encontrou sexo, drogas – põe drogas nisso – e risos.

O livro vai atrás das cortinas colher aquilo que era apenas pressentido pelo público. Nos camarins rolava de tudo. “Não sei como estão os camarins agora, mas na minha época os colocamos para bom uso sexual”, diz Dan Aykroyd, do filme Os irmãos cara-de-pau, um dos membros do grupo original do programa. Ele é a pessoa indicada para estas recordações, pois, além de ter namorado a colega Gilda Radner, deitou-se com várias outras companheiras de equipe, incluindo na lista a esposa de Lorne Michaels, o produtor e criador de SNL. O chefão da turma, porém, não levava a mal a traição. Tanto que até hoje é amigo de Aykroyd. Michaels, diga-se, também fazia bom uso sexual dos camarins. “Lorne parecia agradecido por meu caso com sua mulher. Isso o deixava livre para seus próprios casos. Lembre-se de que estávamos no meio dos
anos 70, quando valia tudo”, disse Aykroyd a ISTOÉ.

A trupe do SNL era bem semelhante a uma banda de rock. Sexo e drogas eram o combustível para sua arte. Lorne Michaels tinha sua receita. “O segredo é não ficar preso a uma só droga. O negócio é variar todos os dias.” E esse rodízio do barato foi levado ao pé da letra não por preocupações com a saúde, mas por mera gulodice daquela gente de enorme apetite por substâncias de uso controlado. “Nós tínhamos um jogo. Líamos o sketch e tentávamos adivinhar com qual droga os autores estavam viajando no momento da criação”, contou Bill Murray, outro veterano, a ISTOÉ. Dan Aykroyd, por exemplo, estava ligadão com maconha quando idealizou os personagens coneheads – alienígenas de cabeças pontudas, vivendo incógnitos nos Estados Unidos, alegando serem franceses. “Eu havia fumado um tremendo baseado e estava assistindo à televisão. Notei que as cabeças das pessoas nunca
atingiam o limite superior da tela. Pensei que seria uma grande idéia
se os atores tivessem cabeças alongadas. O problema desta sacada
é que as personagens mais óbvias para isso seriam portadoras de hidrocefalia. Iríamos espantar muito o público. Foi assim que
surgiram os alienígenas coneheads”, conta Aykroyd.

Irreverência foi a fórmula do sucesso para uma época na qual o politicamente correto ainda não havia transformado o chamado bom-tom em ingrediente obrigatório. “Ninguém estava ligando muito para o futuro do programa”, disse Murray. Nem poderia ser diferente, já que o show começou em 1975 para encher o tempo numa janela de programação. No horário de sábado, às 23h30, ninguém esperava longevidade de uma turma de humoristas desconhecidos. Além disso, o gosto pelos tóxicos já determinava que, se o programa sobrevivesse, alguns atores não seguiriam o exemplo. O primeiro a sucumbir foi o mais genial do grupo – John Belushi, morto em 1982 numa overdose de speedball, coquetel de heroína e cocaína. Belushi foi uma espécie de Rimbaud da comédia, com um talento somente superado pela enormidade de seu vício. É ele o gordo em Os irmãos cara-de-pau; ou o samurai mal-humorado do SNL, que um dia rachou de verdade a cabeça do convidado especial Buck Henry; ou a abelha gigante num quadro que os executivos da NBC mandaram interromper logo após a estréia, por acharem sem graça.
A abelha manteve-se até 1982 e no funeral de Belushi foi ouvido na
igreja em altos decibéis os acordes de 2000 pound bee, rock do grupo Ventures. Depois de Belushi, as drogas ainda matariam Chris Farley
em 1998. Outro que se deu mal pelos mesmos motivos foi Phil Hartman, que não consumia, mas foi assassinado pela esposa cocainômana.
Mas, como diz o ex-viciado Michaels: “Perdemos muito nesses anos,
mas, ao mesmo tempo, ganhamos a imortalidade.”