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Pouco mais de um mês após sua inauguração, o Hospital Veterinário do Tatuapé, em São Paulo – primeiro centro de saúde pública do País especializado no atendimento de cães e gatos -, é um raro exemplo de iniciativa governamental em um setor que ainda depende, em grande parte, do trabalho de voluntários. São poucos os municípios brasileiros que contam com políticas públicas voltadas para os animais. Rio de Janeiro e Porto Alegre são, até o momento, as únicas capitais onde há secretarias para lidar com o assunto.

 
Em São Paulo, o Conselho Municipal de Proteção aos Animais é a principal representação de proteção aos bichos. As demais cidades do País contam apenas com os Centros de Controle de Zoonoses (CCZ), destinados à prevenção e à manutenção de doenças transmissíveis aos seres humanos, por meio do desenvolvimento de sistemas de vigilância sanitária e epidemiológica. Contudo, esses CCZs realizam apenas ações e programas estabelecidos pelos governos federal, estadual e municipal, sem agregar políticas específicas de proteção e bem-estar aos "pets".
 
Secretarias municipais: ações de conscientização pela causa animal
 
A capital carioca foi a primeira a introduzir, em sua política municipal, uma secretaria especial para cuidar dos animais. Criada em 2000, a Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais (SEPDA), comandada atualmente por Luiz Gonzaga da Costa Leite, mantém atuantes iniciativas como o programa de esterilização gratuita Bicho Rio, o projeto para adoção Adotar é o Bicho!, o Centro de Proteção Animal e o Programa de Educação Ambiental.
 
Seguindo a mesma linha, a Secretaria Especial de Defesa dos Animais (Seda) de Porto Alegre, com pouco mais de um ano de existência, já conta com diversas ações protetoras. Apenas entre 3 e 9 de agosto deste ano, a Seda realizou 103 esterilizações, 117 vermifugações, 20 atendimentos clínicos e cinco cirurgias.
 
A mais recente iniciativa da Seda é o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, em 16 de agosto. A ideia é mobilizar a sociedade quanto aos projetos voltados à causa que estão em tramitação no Parlamento gaúcho e na Câmara dos Deputados. O deputado estadual Paulo Odone (PPS), que coordenará a frente, é autor, ainda, de um projeto de lei que proíbe a utilização de cães como guardas, no Rio Grande do Sul.
 
Bancos de sangue e o voluntariado
 
No Brasil, as principais instituições de ensino superior contam com bancos de sangue animal nas faculdades de medicina veterinária. Diariamente, como em seres humanos, são necessárias bolsas de reposição sanguínea para viabilizar procedimentos médicos. Contudo, nem sempre o serviço pode ser feito de maneira gratuita, por falta de verba destinada para esse fim. "Há um custo, pois o governo não tem políticas que garantam que esse serviço seja feito gratuitamente", explica a veterinária responsável pela criação do banco de sangue animal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luciana Lacerda.
 
Luciana implementou o banco na Faculdade de Medicina Veterinária da UFRGS há sete anos, pela necessidade de um local que analisasse a fundo esse tipo de substância. Contudo, o banco foi fechado recentemente pela falta de um profissional disposto a dar continuidade ao projeto, tendo em vista a saída da veterinária. "Muito do investimento financeiro foi feito por mim mesma", ressalta.
 
Redes sociais
 
Engajada na causa como Luciana, há pouco menos de um ano, Bruna Mendes criou o projeto Open Bar Canino. Por meio das redes sociais, a jovem de 19 anos busca dar maior qualidade de assistência às principais ONGs animais de Porto Alegre. Por meio da arrecadação de ração, cobertores e roupinhas, ela dá condições às entidades destinarem forças para serviços mais complexos, como atendimento médico veterinário, cuidados básicos de saúde e medicamentos.
 
A estudante e a veterinária fazem parte de uma rede informal de voluntários que procura suprir a necessidade de políticas públicas de proteção e bem-estar dos animais na capital gaúcha. Esse tipo de atividade faz parte da rotina de milhares de pessoas, em todo o País, que acreditam nos animais como seres merecedores de melhores condições de vida e de assistência governamental.
 
A Constituição Federal, em seu artigo 225, impõe à sociedade e ao Estado o dever de respeitar a vida, a liberdade corporal e a integridade física desses seres, além de proibir práticas que os coloquem em risco ou provoquem a sua extinção. "Os animais de estimação são os únicos seres que dão todo o amor que têm e não pedem nada em troca, além de transmitir uma felicidade incrível. É impossível alguém entrar em um local que tem um cão abanando o rabo e não ficar feliz", afirma Bruna.
 
Hospital público para animais
 
O vira-lata Lobinho, 9 anos, usa uma fralda enquanto espera, na calçada, atendimento no único hospital público para animais do País, localizado no Tatuapé, zona leste de São Paulo. Seu dono, o vigilante Clodoaldo Gonçalves, 39 anos, tem os braços cruzados enquanto espera, em pé, que seu bicho de estimação seja recebido. Ele afirma ter madrugado para tratar do cão que tem um tumor nos testículos, oculto por curativo colocado após a triagem. A fralda deixa escapar um pouco de sangue. "Tem três dias que ele está assim, e não come desde ontem", diz.
 
Com pouco menos de dois meses de funcionamento, a demanda por procedimentos médicos em animais cujos donos não têm condições de arcar com as despesas para o tratamento só tem aumentado. Inicialmente a equipe do Hospital Veterinário do Tatuapé contava com 28 funcionários, sendo 16 médicos veterinários. Contudo, para dar conta da forte procura, o hospital está atuando com um quadro de 25 profissionais da saúde animal e mais 25 funcionários de serviços gerais. Ainda assim, a espera média para o atendimento na instituição pode chegar a quatro horas.
 
No centro cirúrgico do hospital, outro cão de raça não identificada recebe massagem de veterinários após uma parada cardíaca. Não resistiu. A impotência diante de casos em que nada mais é possível fazer pelo bicho emociona. "Tenho 25 anos de formado, marmanjão, corintiano, às vezes saio num cantinho para chorar", desabafa Renato Tartália, 49 anos, médico veterinário e diretor administrativo do hospital.
 
A prefeitura paulista destina um repasse mensal de R$ 600 mil para a instituição, gerida pela Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de São Paulo (Anclivepa-SP). De acordo com o autor do projeto, o vereador Roberto Trípoli (PV), como partida, a meta era realizar 100 atendimentos por dia, contando o retorno de pacientes em tratamento. No entanto, a procura pelos serviços cirúrgicos, ortopédicos, dermatológicos e odontológicos foi tão intensa que o vereador já menciona a necessidade de ampliar o atendimento. "Houve um dia em que, às 3h da manhã, já tinha gente na fila aguardando pra pegar a senha. O objetivo era fazer mil atendimentos por mês, mas, do jeito que está, teremos cerca de 3 mil, se continuar assim", explica.
 
Todos os dias, ao menos 40 novas fichas de atendimento são abertas para pessoas que procuram o hospital comprovando baixa renda, por meio da participação nos programas Bolsa Família e Renda Mínima. Uma assistente social atesta se o proprietário do animal se enquadra no público elegível para o tratamento gratuito. Os casos mais comuns são os atropelamentos: pelo menos cinco por dia.
 
O desempregado Luiz Carlos Oliveira, 28 anos, leva a gata Molenga há três semanas para receber soro. De acordo com ele, a felina de 15 anos tem insuficiência renal e artrite, entre outras dificuldades decorrentes de sua idade avançada. "Enquanto ela vive, sigo lutando por sua vida, não vou abandoná-la", diz. A faxineira Nair de Jesus Silva, 58 anos, faz carinho na cadela chow-chow Laila enquanto aguarda a remoção de útero do animal. Ambos só têm elogios para o centro de saúde animal.
 
Já existem projetos para ampliar o espaço destinado à instituição, além da criação de mais centros como esse em outras regiões da cidade. Tartália afirma que a inauguração do hospital, há cerca de 50 dias, foi uma conquista de grupos independentes que tratam dos direitos dos animais. O profissional acredita, ainda, que não há conflito em um atendimento público gratuito para os bichos, pois tratar do animal de estimação é tratar, também, seus donos. "Você percebe que, dando alívio ao sofrimento de um animal, você cura também o dono", finaliza.