Os metalúrgicos de São Paulo estão sendo levados a aderir a um acordo que os faz abrir mão de um direito garantido judicialmente e, por consequência, de uma boa parcela da correção das perdas promovidas pelo Plano Collor sobre o saldo do FGTS. Uma montanha de dinheiro, estimada em até R$ 10 bilhões, está dormindo nos cofres da Caixa Econômica Federal à espera dos trabalhadores, que não foram informados devidamente da vitória. A bolada refere-se à ação movida em 1993 pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e de Mogi das Cruzes e outras quatro entidades menores, todas ligadas à Força Sindical, contra as perdas decorrentes do Plano Collor I, em abril de 1990, nas contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Inédito no País, o processo percorreu todas as instâncias menores, até chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão, favorável aos 350 mil metalúrgicos empregados no início da década, saiu em 7 de dezembro de 1999.

Em agosto do ano seguinte, o tema chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) no bojo de uma ação semelhante movida por um grupo de metalúrgicos de Caxias do Sul. O grupo saiu vitorioso e com direito a receber a correção integral do Fundo não apenas das perdas do Plano Collor, mas também das provocadas pelo Plano Verão, de janeiro de 1989. Desde então, a questão do chamado “expurgo do FGTS” é considerada pacificada, pois as duas câmaras superiores de Justiça do País criaram a jurisprudência para qualquer processo do mesmo tipo.

Sem motivo aparente, as ações promovidas pelas entidades ligadas à Força Sindical não executaram o processo até hoje, com exceção do Sindicato dos Aeroviários de São Paulo, e que começou a cobrar as perdas na Justiça no fim do ano passado. “Se não fizéssemos isso, estaríamos causando prejuízo à categoria”, diz o presidente da entidade, Uébio José da Silva. Segundo ele, 3,8 mil trabalhadores ligados ao sindicato já receberam o dinheiro referente ao processo. Um deles é o aposentado Giuseppe Marchese, que trabalhou na Vasp entre 1975 e 1993. Trinta dias depois de encaminhar uma batelada de documentos ao sindicato, Marchese recebeu R$ 45 mil, referentes ao expurgo de 44,8% do Plano Collor I sobre seu saldo da época. Como já tinha se aposentado, o ex-aeroviário pôde sacar o depósito da conta do fundo em janeiro. “Foi ótimo, deu para pagar as dívidas”, diz.

Já com a decisão favorável aos trabalhadores ligados a seus sindicatos na mão, a Força Sindical passou a negociar o pagamento dos expurgos com o governo. O acordo saiu em 21 de março de 2001, na mesma época em que a juíza federal Tania Regina Marangoni Zauhy estipulava um prazo de 30 dias para a execução do processo. O ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e atual presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, foi o principal articulador e transformou-se no maior garoto-propaganda do acordo.

Toda a máquina de divulgação da Força passou a promover o resultado da negociação, com manchetes do tipo “Vitória dos trabalhadores” e “Acordo histórico”. De acordo com cálculos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a adesão aos termos da Caixa causa perdas de até 40% para os trabalhadores.

Pelo acordo, anunciado em Brasília com a presença de Paulinho, da equipe econômica e do presidente Fernando Henrique Cardoso, quem tem até R$ 1 mil a receber (caso de 90% dos trabalhadores) terá o depósito realizado a partir de junho, em uma parcela. Para créditos maiores, a Caixa promete pagar num período de duas a sete parcelas semestrais, com descontos no saldo entre 8% e 15%. Outro detalhe: segundo imposição da Caixa, quem adere ao acordo está desistindo automaticamente de qualquer processo referente aos expurgos do FGTS – um fato que está prestes a ser contestado na Justiça. Existe, inclusive, um formulário específico de adesão para quem está com processo rolando e resolveu desistir da ação.

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Até hoje, segundo a Caixa, já aconteceram 13,8 milhões de adesões ao acordo. O termo pode ser assinado até dezembro de 2003. Os beneficiários da ação da Força Sindical, por sua vez, recebem (ou receberiam, se soubessem disso) o dinheiro sem descontos, em uma parcela e com juros calculados a partir de 1995. Não há nem o desconto dos honorários dos advogados, pois a Caixa, condenada, fica responsável pelo pagamento.

Mobilização – Quando abriu o processo, em março de 1993, a Força Sindical fez um estardalhaço de mobilização. Milhares de documentos foram reunidos em atos públicos como o que parou a avenida Paulista, em São Paulo. Tabeliões contratados pela central recolhiam e protocolavam a papelada na rua. Agora, todo o poder de mobilização da central está a serviço do acordo com o governo. Na gigantesca festa de 1º de Maio realizada pela Força em São Paulo, um estande de 600 metros quadrados da Caixa orientava os trabalhadores a assinar o acordo. Sobre a vitória no processo, a platéia, estimada em um milhão de pessoas, não ouviu sequer uma palavra.

Quando apresentou o ministro do Trabalho, Paulo Jobim, à massa durante a festa, Paulinho disse que “o acordo (do FGTS) só foi possível porque tivemos um parceiro leal do lado de lá (do governo).” Ao pegar o microfone, Jobim limitou-se a dar parabéns à Força e pediu a entrada das atrações musicais da festa. Minutos após a apresentação do grupo juvenil KLB, Paulinho admitiu, em entrevista a ISTOÉ, que a Força não se mobilizou para a execução do processo. “A execução não está acontecendo porque existem umas burocracias… Tem que localizar as pessoas”, afirmou. Perguntado sobre a razão da omissão, o sindicalista afirmou que “os metalúrgicos estavam todos voltados para (a organização do) 1º de Maio” e que “depois do evento, vai começar o processo de mobilização”. Paulinho admitiu também que a informação da vitória judicial foi omitida dos metalúrgicos. “Cada passo do processo foi divulgado no nosso jornal, até quando perdemos (em instância inferior). Não avisamos agora a execução porque a diretoria resolveu dar esses 20 dias para essa coisa (a organização da festa).” Paulinho afirma que a vitória judicial aconteceu “uns dois meses atrás”, apesar da decisão datar de 1999, e que uma reunião a respeito do tema aconteceu no início de abril (daí os tais “20 dias”).

No dia seguinte, Paulinho procurou ISTOÉ por telefone e passou a ligação para o atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Ramiro de Jesus Pinto. “Nos próximos dias, vamos entrar com mil execuções em Mogi das Cruzes. Em São Paulo, serão umas 300”, afirmou Pinto. Ainda no mesmo dia, os sindicalistas convocaram parte da imprensa para anunciar a vitória judicial – conquistada, na verdade, há um ano e meio. Para quem já assinou o termo com a Caixa, Pinto diz que existe uma declaração de renúncia preparada pelo sindicato. A assessoria de imprensa da Caixa confirmou que os signatários do formulário azul abrem mão do processo. Vai começar outra briga.


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