Enquanto o governo americano passa um facão sem precedentes no orçamento de seu programa espacial, outros aventureiros fazem a festa. Para reverter o prejuízo acumulado, os russos embolsaram US$ 20 milhões de dois milionários que viajaram a bordo da nave Soyuz. Explorar a Via Láctea virou negócio lucrativo e um prato cheio para quem aprecia uma excentricidade. Há desde concurso para viabilizar o turismo espacial a preços acessíveis até serviços inusitados, como o da Celestis Foundation, que cobra US$ 8 mil para lançar no Universo as cinzas de quem foi cremado. Entre as iniciativas sérias figura a Team Encounter, companhia americana que há quatro anos desenvolve o projeto de uma nave que, para navegar no espaço, trocou o combustível líquido pelo vento solar, uma tecnologia nunca testada com sucesso. Para viabilizar financeiramente o desafio orçado em US$ 25 milhões, a empresa adotou um marketing infalível: será emissária de textos, desenhos e material genético de milhares de terráqueos.

É como uma mensagem lançada ao mar numa garrafa. Os tesouros viajariam no espaço até que um extraterrestre abrisse a cápsula em busca de mais informações sobre o planeta azul. O Brasil está representado nessa missão em dezenas de desenhos feitos por uma turma de crianças de cinco e seis anos, da escola paulista Pueri Domus. “Acredito na vida fora da Terra”, diz, convicto, Gabriel Mezzeti Giordano, de cinco anos. As crianças enviaram seus desenhos de graça, mas quem quiser se inscrever terá de pagar. Há três pacotes disponíveis. O kit individual para enviar uma amostra de DNA sai por US$ 50. Para mandar uma mensagem ou desenho, o preço cai pela metade. A empresa oferece até um kit família, para quatro pessoas,
por US$ 80. Até agora, segundo os organizadores, 70 mil pacotes
já foram vendidos.

A missão da Team Encounter também visa promover incrementos na tecnologia de exploração do espaço. O Veleiro Solar funciona nos moldes das caravelas de Cabral. A vela de material metálico tem a espessura de um décimo de fio de cabelo. As quatro velas são móveis e possuem um compartimento para guardar, como um cofre, as mensagens e o DNA de até 4,5 milhões de pessoas. Abertas, as velas têm o tamanho de um campo de futebol oficial, de 4.900 metros quadrados.

A alternativa é considerada promissora por apresentar uma solução mais barata aos combustíveis líquidos, como o óleo diesel. “O principal problema das viagens interplanetárias, e um dia interestelares, é justamente o combustível. Utilizar os ventos, tanto do sol quanto das estrelas, como fonte de energia pode vir a ser uma opção interessante”, diz o astrônomo Walter Maciel, do Instituto de Astronomia e Geofísica da Universidade de São Paulo. É o que já acreditava o astrônomo alemão Johanne Kepler, há quatro séculos (1571-1630). Ao estudar os movimentos planetários, Kepler percebeu que a cauda dos cometas estava sempre posicionada no sentido do Sol. Ele atribuiu esse fato a uma força de atração exercida pelo astro sobre os planetas e, na ocasião, imaginou que as naves espaciais poderiam usar a mesma força propulsora para voar. “Barcos e veleiros apropriados para brisas celestes poderão ser construídos no futuro”, previu Kepler, em 1607. Se der certo, a troca do combustível líquido pela energia do vento solar trará vantagens. É econômica, ecológica e permite que a nave explore regiões muito mais distantes, além da Via Láctea.

O veleiro espacial da Team Encounter será acoplado a um veículo motorizado que será lançado por um foguete francês em junho de 2003. O suporte ejetará o veleiro para fora da órbita terrestre até que a nave atinja uma distância de 64 mil quilômetros. Nesse momento as velas se abrem, o veículo se desconecta do veleiro, que entra em trajetória independente para fora do nosso sistema solar. Esta é a etapa mais difícil da missão. O primeiro destino do veleiro será Plutão, o planeta mais distante de nosso sistema. A parte interna da vela será coberta de sensores para que seu percurso seja monitorado da Terra. Abastecida com energia absorvida por dois painéis solares, ela reflete a luz do sol
e durante a primeira semana, a partir da abertura das velas, poderá
ser vista como uma brilhante estrela no céu. Seu percurso deverá
durar 14 anos.

Existem outros projetos para desenvolver tecnologias que viabilizem os vôos movidos por energia solar. Cosmos 2 é o nome do veleiro russo, testado há seis anos. Com o formato de cata-vento e oito velas superpostas, em 2000 ele fracassou porque o desengate da nave na qual estava acoplado falhou. Tudo indica que o excesso de peso inviabilizou a jornada. A missão da Team Encounter tenta resolver esse problema com uma nave mais leve, de 19 quilos, em vez dos 44 quilos da Cosmos 2. A empresa investe em novas tecnologias, como as placas metálicas 25 vezes mais leves do que uma folha de papel. Num vôo experimental realizado a uma altura de 100 quilômetros da Terra, a vela se abriu, sem falhas. “Apostamos no sucesso dessa missão”, garante Christopher Pancetti, diretor da Team Encounter. Se os planos naufragarem e a viagem espacial fracassar, aqueles que pagaram pelos seus kits de patrocínio ao veleiro solar poderão receber seu dinheiro de volta.