Há muita coisa no ar, além dos mísseis de última geração que voam em direção ao Iraque. Em cada um dos mísseis disparados pelos Estados Unidos vai o desespero do governo americano diante da possibilidade de que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo abandone o padrão dólar e adote o euro em suas transações internacionais. A tragédia (para os americanos) seria catastrófica. O dólar despencaria, possivelmente com uma desvalorização de 20% a 40%. O prosseguimento da valorização do euro fortaleceria a fuga de investimentos dos EUA, já que a taxa de juros paga no país, em dólar, seria corroída pela desvalorização diante do euro. É bom lembrar que os Estados Unidos precisam de US$ 1,5 bilhão de dólares diários de investimentos externos para cobrir o seu atual imenso déficit, o maior do mundo, de US$ 450 bilhões, o que representou no ano passado um déficit da balança de pagamentos de 4,3% do PIB (a previsão para este ano é de um rombo de 4,6%, enquanto as previsões para a área do euro são de um superávit de 0,5%). Só no último ano, o dólar caiu 20% em relação ao euro – o que é mais do que suficiente para balançar a hegemonia da moeda americana no mundo. Esse processo, segundo analistas, assinala os primeiros sucessos do euro – que poderia chegar a US$ 1,80 – como moeda de troca e refúgio mundial.

O Iraque trocou o dólar pelo euro em novembro de 2000, quando a moeda européia valia US$ 0,80, fortalecendo a expectativa de que a Opep seguiria o mesmo caminho. Caso isso ocorra, os EUA teriam de comprar euros para importar petróleo, vendendo maciças quantias de dólares no mercado internacional, derrubando a cotação de sua moeda e valorizando drasticamente o euro. Os bancos centrais dos diversos países seriam também obrigados a converter suas reservas internacionais em euros para poder importar petróleo, e o mito do dólar forte cairia completamente por terra.

Recentemente, vários países começaram a trocar os dólares de suas reservas internacionais por euros, como a China e o Irã (que trocou a maioria de suas reservas pela moeda única européia). Integrantes do governo russo cogitam fazer o mesmo. O que ocasionaria a desvalorização do dólar e a valorização do euro (devido à velha lei da oferta e da procura), ainda mais incentivada pelo estouro da “bolha” das falsas expectativas de lucros das empresas americanas em 2002. Com a credibilidade da moeda americana em baixa e o surgimento de uma nova moeda aceita em trocas internacionais, os investidores estão deixando os EUA e se dirigindo à Europa.

A decisão do Iraque de trocar o dólar pelo euro, segundo especialistas, teria selado seu destino. Foi o começo da guerra que hoje assombra o planeta. Isso, segundo o professor de história, assessor comissionado do Senado e estudioso da questão Said Barbosa Dib, “se analisado por aqueles que conhecem os problemas estruturais do sistema Breton Wood (conferência de 1944, quando o dólar passou a ser a moeda universal) e as atuais limitações energéticas dos americanos, coloca em dúvida a atual hegemonia do dólar no mundo e explica a razão pela qual a administração Bush quer, desesperadamente, um regime servil na histórica Mesopotâmia”.

“Hoje, o dólar já é uma batata quente nas mãos dos grandes investidores”, escreveu o professor doutor Mário Maestri, da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Em sua análise, a transferência, mesmo parcial, das reservas da Arábia Saudita, China e Rússia do dólar em euro valorizado iniciaria movimento de troca mundial dos bilhões de dólares emitidos nas últimas décadas sem cobertura, com consequências gravíssimas para a moeda americana. Outro estímulo à ira do presidente americano é o fato de que a zona do euro tem uma fatia maior do que os EUA no comércio mundial e é a principal parceira do Oriente Médio. “Quase tudo o que se possa comprar com dólares pode-se comprar também com euros, exceto o petróleo – por enquanto”, diz
o professor Said Dib. “E é aí que está a principal razão da
resistência francesa e alemã à guerra.”

Para a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a conversão do dólar para euro significaria imediata valorização de seus ativos. “Seria uma grande jogada estratégica”, diz o professor Dib. “Eles poderiam, em algum momento posterior, mover-se para outra divisa e obter mais uma vez enormes lucros.”

Bush quer manter o padrão dólar e se apoderar das imensas reservas petrolíferas iraquianas. O plano é, depois de conseguir tirar Saddam
do poder, colocar no governo do Iraque gente de sua confiança.
Assim, os EUA – que abrigam 6% da população e detêm 50% da riqueza do planeta – controlariam a segunda maior reserva de petróleo do
mundo (a da Arábia Saudita é a maior). É o sonho megalomaníaco
de Bush que assusta até americanos.

A prudência brasileira

Banco Central apresenta suas armas: as taxas de juros podem subir a qualquer momento. A decisão foi tomada na reunião do Comitê de Política Monetária, encerrada na quarta-feira 19, horas antes dos primeiros ataques a Bagdá. Os juros foram mantidos no patamar de 26,5%, só que agora com o chamado viés de alta. O resultado da reunião dá o tom da preocupação do governo com a guerra. Nem a menor pressão inflacionária e a relativa calma no câmbio fizeram com que os juros caíssem. O fator guerra falou mais alto. Há quem diga que o ano de 2003 já está perdido em termos de crescimento econômico para o Brasil. E que o conflito torna essa situação irreversível.

O consolo é que, ao contrário do ano passado, a tendência é de
que no segundo semestre as expectativas sejam de melhora e não
de piora, como ocorreu em 2002. O secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Otaviano Canuto, assume
um tom tranquilizador. “O máximo que a guerra pode trazer é uma melhora mais lenta nos indicadores econômicos. Mas ela não muda
a tendência de melhora”, afirma. Canuto confirma que a posição da área econômica é de prudência, manifestada, por exemplo, na antecipação do saque de US$ 4,1 bilhões do empréstimo do FMI. “Procuramos dispor do mais amplo arsenal de instrumentos. Por enquanto, consideramos que já retiramos os instrumentos suficientes da caixa de ferramentas”, explica. Em geral, os mercados financeiros ao redor do mundo reagiram bem aos dois primeiros dias de ataques. Mas qualquer movimento fora do roteiro original traçado na Casa Branca pode implantar o pânico nas cotações.

Sônia Filgueiras