O feito científico é inquestionável, mas o tempero tupiniquim transformou em piada o nascimento de Marcolino. O clone bovino pesa 35 quilos e se submeteu a um exame de DNA para esclarecer sua identidade. Durante nove meses, os pesquisadores do departamento de reprodução animal da Universidade de São Paulo acompanharam a gravidez de uma vaca mestiça, a mãe de aluguel de Marcolino, que recebeu as células da orelha de uma vaca nelore batizada de Deusa em homenagem a uma personagem da novela O clone. Os cientistas estavam certos de que a vaca mestiça daria à luz uma cópia perfeita de Deusa. Como todas as células carregavam os cromossomos sexuais femininos, era imperativo que seu filhote fosse uma fêmea nelore. Pois nasceu um bezerro de raça indeterminada. Perplexo com o resultado, o coordenador do experimento, José Antonio Visintin, acusou a vaca mestiça de pular a cerca da fazenda paulista Panorama, em Campinas, para se encontrar com o touro vizinho. O exame de DNA provou que Marcolino é mesmo um clone, apesar de ser fruto de um acidente. Suas células foram trocadas no laboratório. Em vez de pegar o tubo de ensaio onde estava o material genético de Deusa, os cientistas usaram o frasco com as células de um outro feto bovino.

Auto-estima – Visintin suspeita que mais duas vacas foram vítimas do mesmo engano e devem dar à luz – em quatro e oito meses – bezerros em vez de bezerras. Marcolino é o segundo clone brasileiro. Divide a fama com a vaca Vitória, que nasceu em março de 2001 a partir de células de um embrião e se prepara para gerar o clone de si própria. “Um erro desses é inconcebível”, disparou Rodolfo Rumpf, pesquisador da Empresa Brasileira de Projetos Agro-Pecuários (Embrapa), um dos pais de Vitória. “O brasileiro ridicularizou a experiência porque tem síndrome de baixa auto-estima. A ciência é feita de tentativa e erro. Só sabemos o que acontece lá fora na hora do sucesso”, rebate José Fernando Perez, diretor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, um dos financiadores da experiência. Para que a ovelha Dolly, primeiro clone do mundo, vingasse, foram desperdiçados 277 embriões. Seu criador, o escocês Ian Wilmut, divulgou há duas semanas um estudo no qual afirma que quase todos os clones têm defeitos, como órgãos de tamanho desproporcional, disfunções cardíacas e respiratórias. Há ainda dúvidas sobre seu envelhecimento precoce. Gerada em 1997 a partir das células de uma ovelha adulta, Dolly nasceu com alta quilometragem e sofre de artrite, doença comum nos idosos.

Mesmo por vias tortas, Marcolino aumentou o cacife brasileiro na corrida para domar os caprichos da genética. Relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgado na semana passada cita o Brasil, ao lado da Índia, de Cuba e da China, como exceção à regra de que a excelência genética é patrimônio das nações ricas. O documento destaca a pesquisa brasileira
dos genes do câncer e da praga Xylella fastidiosa, o amarelinho que destrói
os laranjais.

Na segunda-feira 29, pesquisadores do hospital carioca Pró-Cardíaco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do instituto cardíaco do Texas, nos EUA, anunciaram outro feito: recriaram artérias do coração usando células extraídas da medula óssea. Essas células-tronco têm a capacidade de se metamorfosear em outros tecidos do organismo e, no futuro, podem substituir os transplantes e as cirurgias de ponte de safena. Dos dez pacientes em estado grave submetidos à terapia, três se recuperaram, um morreu, e o resultado dos outros seis será divulgado em seis meses. Os aposentados cariocas José Carlos Rosa, 54 anos, e Nelson Rodrigues Águia, 68, estão entre os que nasceram de novo. Sofriam de isquemia (má irrigação sanguínea), estavam na fila para transplante cardíaco e tinham perdido o fôlego até para tomar banho. “Não sentia mais vontade de viver”, lembra Águia, um infartado que agora caminha e joga futebol de salão. Rosa antes sofria para ter relações sexuais e assegura que sua vida conjugal melhorou muito depois da terapia. Para Hans Dohmann, médico do Pró-Cardíaco, o mérito da experiência está na ausência de efeitos colaterais. “Nessa técnica não há risco de rejeição porque as células-tronco trazem a bagagem genética do próprio paciente”, festeja.

“Cientificamente esse é um caminho que pode ou não dar certo, mas está longe de ser a solução definitiva”, diz o cardiologista Carlos Scherr, que classifica de incipiente o procedimento. Por via das dúvidas, a Fundação Oswaldo Cruz vai testar em breve a terapia em pacientes com doença de Chagas, moléstia que provoca lesões no coração. Na semana passada, uma empresa de biotecnologia da Noruega mostrou que a promessa de cura não depende apenas das células-tronco. Os escandinavos conseguiram programar as células humanas para virar uma espécie de página em branco capaz de desempenhar novas funções. Expostas a uma solução química, as células da pele assumiram o papel de defesa do corpo. É mais uma evidência de que a genética abriu um caminho sem volta para a medicina do futuro.