Uma paixão levada a sério pode mudar a história de séculos de importação de madeira para a fabricação de instrumentos musicais. Sem dinheiro no bolso e com a incumbência de fazer um trabalho de conclusão do curso de engenharia florestal na Universidade de Brasília, Pablo Fagundes encontrou na floresta amazônica a solução para resolver seu problema pessoal e o da balança comercial brasileira. O gaitista integrante do grupo de música regional Pé de Cerrado se uniu ao físico Mário Rabelo, do Laboratório de Produtos Florestais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e identificou dez árvores nativas que geram matéria-prima de primeira qualidade para o fabrico de gaitas diatônicas, aquelas melodiosas usadas pelos cantores de blues.

Apesar de tecnicamente simples, as gaitas com corpo de madeira não são instrumentos baratos. Custam R$ 280 e, com o uso frequente, se desgastam rápido. Os protótipos das gaitas fabricadas com madeira de selo verde foram feitos no próprio laboratório do Ibama. Depois, a Hering, única fábrica nacional de gaitas, se encarregou de levar à Alemanha os primeiros exemplares. Os atributos sonoros das madeiras certificadas permitem que elas sejam utilizadas também na fabricação de guitarras, contrabaixos, violões e peças para pianos, violinos e instrumentos de percussão. Fagundes não esconde uma ponta de orgulho. “Só pensei em solucionar o problema do instrumento pelo qual sou apaixonado”, declara.

As gaitas com corpo de madeira são feitas com pau-marfim importado do Paraguai. Essa árvore já foi abundante no Brasil, mas a exploração desenfreada a colocou em risco de extinção. Entre as novas madeiras usadas para confecção dos instrumentos estão algumas conhecidas, como ipê, louro, maçaranduba e copaíba, e outras de nomes pouco comuns, como amapá-doce, breu-sucuruba, tacacazeiro, tauari e açoita-cavalo. “O som delas é perfeito”, afirma Rabelo, que testou as características físico-químicas e sonoras de cada madeira.

As toras receberão certificado de origem expedido pelo governo brasileiro e ajudarão a proteger espécies ameaçadas. Até hoje os arcos de violino são feitos com varetas de pau-brasil e os corpos de oboé, fagote e clarineta são de ébano africano e jacarandá da Bahia, três árvores ameaçadas. Em solo nacional, o apelo da pesquisa de Fagundes é ainda maior. Apesar de o País ter mais de um terço do estoque mundial de madeiras, a indústria de instrumentos musicais importa até mesmo madeiras nativas, já que os poucos empresários autorizados a derrubar árvores exportam toda sua produção.