Quanto maior a patente, mais valor tem o elogio. Embora soe familiar aos nossos ouvidos que por aqui cantem mais pássaros e existem mais plantas, animais e índios do que lá, agora um time internacional de 200 cientistas elegeu três regiões brasileiras entre os maiores tesouros naturais da Terra: a Amazônia, o Pantanal e a caatinga. Nenhum outro lugar do planeta faz sombra à Amazônia, tamanha sua concentração de recursos, de vida e de espécies únicas. Nem mesmo a África, o berço da humanidade, cujas dimensões continentais arregimentam paisagens tão distintas quanto o deserto do Saara, as verdejantes florestas do Congo e as pradarias africanas onde reinam leões, elefantes e búfalos de aparência pré-histórica.

Depois de dois anos em viagens pelos quatro cantos do mundo, a junta de pesquisadores, que inclui o zoólogo mineiro Gustavo Fonseca, elegeu as 37 regiões mais intactas do mundo, e, portanto, prioritárias para a conservação. São ao todo 81 milhões de quilômetros quadrados de vida selvagem, onde vivem 313 milhões de pessoas e permanecem mais de dois terços da flora e da fauna originais. É bom lembrar que a exploração e a ocupação humanas já fizeram suas vítimas nesses locais e algumas espécies correm o risco de desaparecer.

Entre os grandes blocos tropicais de vida selvagem, a Amazônia abriga o maior número de plantas e animais exclusivos em seus seis milhões de quilômetros quadrados espalhados por nove países. Com menor dimensão, mas igualmente ricas, as florestas do Congo cobrem sete países da África central, e na ilha de Papua-Nova Guiné, um raro cenário tropical no oceano Pacífico, ao norte da Austrália, vivem animais exóticos como o cuscus malhado, um parente do gambá que se alimenta de frutas, folhas e sementes. Uma novidade desse estudo foi a inclusão dos
desertos da América do Norte, do Delta de Okavango, em Botsuana,
e das florestas de Miombo Mopane e das pradarias do sul da África
entre as áreas intactas relevantes. Somadas à Amazônia, ao Congo
e à Nova Guiné, essas áreas cobrem menos de 10% da superfície terrestre e abrigam uma mina de ouro. São 51.340 espécies de plantas, centenas de répteis, anfíbios, peixes e pássaros endêmicos,
só encontrados nesses locais.

Cobras e lagartos – Todo o trabalho dos 200 cientistas foi reunido no livro Wilderness (Grandes regiões naturais: as últimas áreas silvestres da Terra, www.conservation.org.br R$ 150). O calhamaço de 573 páginas e 5,5 quilos reúne fotos e referências científicas de primeira. É o terceiro livro organizado pela ONG Conservation International. O primeiro, intitulado Megadiversidade, relacionava os 17 países onde estavam dois terços da biodiversidade do mundo. Depois foi a vez de Hot Spots, uma seleção dos 25 pontos biologicamente mais ricos e ameaçados. Nessa lista vermelha, dois representantes nacionais: o cerrado, do qual restam 10%, e a Mata Atlântica, reduzida a menos de 8% do tamanho original. O terceiro volume, As grandes regiões naturais, será lançado na próxima semana em São Paulo, Belém e Manaus. Parte dos 1.300 exemplares será doada a grupos que trabalham com conservação ambiental.

Entre os destaques nacionais do livro, a Amazônia é campeã em tudo. Nos quatro milhões de quilômetros quadrados de selva brasileira somam-se 40 mil plantas, sendo 30 mil endêmicas, 1.300 aves e quase 500 mamíferos. Sem contar as 196 cobras, os 138 lagartos, os 158 morcegos, outra centena de roedores e mais de 400 sapos. O que espanta é que ainda há muito a se descobrir. Um exemplo: há registro de mil aranhas, enquanto se imagina que na floresta existam entre quatro e oito mil delas. As ameaças ao maior tesouro tropical do mundo continuam as mesmas: o fogo que destrói 17 mil quilômetros quadrados de terra ao ano, o desmatamento que ameaça os 750 mil índios da Amazônia Legal e a destruição dos recursos naturais dos quais dependem os 21 milhões de amazônidas.

Na mata destacam-se alguns modelos de preservação. Um
dos mais famosos é a reserva de desenvolvimento sustentável
de Mamirauá, no Amazonas, criada em 1996 pelo zoólogo José
Márcio Ayres, morto na sexta-feira 7. Ao aliar as necessidades das comunidades locais à conservação ambiental, ele conseguiu até aumentar a população de macacos uacari, o primata de cabeça
careca e vermelha que só vive nas matas alagadas entre os rios
Japurá e Solimões, um afluente do Amazonas.

Vida severina – Espalhada por oito Estados do semi-árido nordestino, a caatinga só perde em extensão territorial para o cerrado, a Mata Atlântica e a própria Amazônia. Os 735 mil quilômetros quadrados de sertão já foram mar,
há 65 milhões de anos. Apesar do clima imprevisível, em que a seca dura até dez meses, ali vivem quase 27 milhões de brasileiros, e uma flora e fauna praticamente desconhecidas da ciência. Como símbolo da resistência  sobressai o cacto mandacaru, uma das únicas vegetações que permanecem verdes na prolongada seca nordestina.

Onça – A região abriga ainda duas espécies-símbolo em risco. A ararinha-azul, que foi considerada extinta porque o último exemplar foi visto pela última vez em 2000, na Bahia. Sua parente próxima, a arara-de-lear também corre perigo. Restam pouco mais de uma centena delas na natureza. As araras da caatinga são parentes das araras-azuis, as aves românticas que voam aos pares e se tornaram um símbolo do Pantanal. O esforço de preservação conseguiu melhorar sua situação e hoje a espécie está apenas na categoria de animais vulneráveis.

Sobre os 210 mil quilômetros quadrados do Pantanal, a maior área alagada do mundo, dividida entre Brasil, Bolívia e Paraguai, não se sabe ao certo se voam 325 ou 650 espécies de aves, mas é certo que em suas águas nadam pelo menos 325 tipos de peixes. A espécie mais famosa da região é a temida onça-pintada, cujos 200 quilos a tornam o maior felino, depois do tigre e do leão. O entrave para a conservação do Pantanal é o de sempre: a destruição dos hábitats naturais, o avanço da pecuária e a pesca descontrolada.

Entre os 37 tesouros naturais da Terra há ainda vastos corredores de desertos, onde proliferam vegetações exclusivas, como os cactos, que servem de alimento e morada a dezenas de pássaros. Sem contar as florestas geladas que abrangem a Rússia, o Canadá, o Alasca e a Groenlândia, onde se podem encontrar diversos predadores terrestres e alados, como os ursos e os falcões.

Num futuro não muito distante, escrevem os cientistas, essas
florestas tendem a se valorizar com o comércio do chamado sequestro de carbono, que é a capacidade das matas de absorver a poluição
(CO2) e devolver na atmosfera o oxigênio necessário à vida. O solo coberto por árvores absorve de 20 a 50 vezes mais carbono do que
a terra destinada ao plantio agrícola, escreve o americano Russell Mittermeier, um dos autores de Grandes regiões naturais, que já foi condecorado pelo governo brasileiro e eleito pela revista Time como
um dos eco-heróis do planeta.