Brasil, que sempre se viu livre de catástrofes naturais como terremotos, furacões e maremotos, acaba de receber um título no mínimo estranho para tamanha calmaria: é o país com os vulcões mais antigos do mundo. Não se trata de qualquer vulcão, mas de verdadeiros gigantes capazes de causar destruição em grande escala. Se essas montanhas de fogo estivessem ativas, seriam motivo de sobra para preocupação, como é o caso das erupções que na semana passada assustaram os habitantes do Congo e do Havaí.

Os vulcões não surgiram em um lugar qualquer. A equipe de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Pará (UFPA) descobriu-os em plena Amazônia. É a primeira vez que se encontram crateras e vulcões tão antigos, com cerca
de 1,9 bilhão de anos. Os monstros rochosos foram localizados a
partir de imagens de satélite em regiões distintas na bacia do rio Tapajós, no Pará. O que chamou a atenção dos cientistas foi que, ao redor de áreas circulares com até 20 quilômetros de diâmetro, havia resquícios de uma série de vulcões (leia quadro ao lado). Até agora, apenas dois deles foram analisados. “É possível que haja muito mais”, calcula o geólogo Caetano Juliani, do Instituto de Geociências da USP, um dos líderes do estudo.

Das erupções maiores, no entanto, não há mais evidências. Sua força deve ter sido tão grande que os vulcões acabaram afundando, dando lugar ao que é conhecido por caldeira, uma espécie de cratera formada no rastro da destruição. “Esses vulcões que a gente estudou são só o fim da festa”, brinca Juliani. E que festa. Segundo o pesquisador, o gigante amazônico adormecido tinha até dois quilômetros de base e sua altura chegava a 500 metros. “Para os vulcões maiores, com 22 quilômetros de base, fica até difícil estimar a altura”, comenta.

A descoberta foi acidental. Os pesquisadores depararam com as estranhas formações rochosas quando trabalhavam em conjunto com a empresa de mineração Rio Tinto Desenvolvimento Mineral, analisando o solo amazônico atrás de ouro e de outros metais preciosos. Boa parte do estudo se transformou em aventura. Os brasileiros precisavam cumprir uma via-sacra para chegar ao local do achado: uma hora e meia de estrada Transamazônica, três horas de barco e um dia e meio de mata. “Além de chover muito, você transpira e o suor não evapora”, relata Rafael Hernandes Corrêa Silva, também da USP. “Todos os dias, a gente tinha que colocar o mapa ao lado do fogo para secar.” Para chegar ao outro vulcão, os cientistas tomavam carona num avião monomotor e aterrissavam numa pista de garimpo.

Fora de perigo – Os dois vulcões, descobertos entre 1999 e 2001, são difíceis de ser identificados por alguém sem prática. De longe, parecem colinas com 200 metros de altura cobertas de mato. As rochas analisadas, no entanto, mostraram sua importância. “É capaz que esses sejam os mais antigos vulcões preservados na Terra”, comenta Robert Rye, do serviço geológico dos Estados Unidos e um dos maiores especialistas em vulcanismo, que ajudou a analisar o material recolhido pelos brasileiros.

Apesar de ameaçadores no passado, os vulcões brasileiros estão fora de perigo. A chance de uma nova erupção está descartada. Os vulcões são o que se pode chamar de fósseis geológicos. Quando eles se formaram, há 1,9 bilhão de anos, a Terra era tomada de microrganismos. A própria Amazônia não existia, já que os continentes, da forma como são atualmente, ainda demorariam milhões de anos para se formarem. Esse também não é o primeiro indício de vulcanismo no Brasil. Desde o início do século XX, já se sabia da existência de uma forte atividade vulcânica na Amazônia, que espalhara fragmentos por toda a região Norte. “A novidade é que descobrimos de onde saiu esse material e encontramos as estruturas dos vulcões”, conta Juliani.

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Por suas dimensões e características, imagina-se que uma erupção dos vulcões amazônicos poderia causar estragos semelhantes aos do famoso vulcão de Krakatoa, localizado entre as ilhas de Java e Sumatra, na Indonésia. Em 1883, ele explodiu em chamas e gases, provocou ondas gigantes que varreram as regiões litorâneas e mataram 36 mil pessoas. Outro caso famoso é o do monte Vesúvio, na Península Itálica, no ano de 79. O magma cobriu a cidade romana de Pompéia, que contava entre dez mil e 20 mil habitantes. Atualmente, o Vesúvio permanece um motivo de preocupação. Em novembro de 2001, pesquisadores italianos se surpreenderam com a quantidade de magma detectada abaixo da superfície e temem que ele volte a entrar em atividade no futuro.

Etna – Quase sempre, o mundo é surpreendido por novas ameaças. No ano passado, o Etna, na Sicília, entrou em erupção, ameaçando as cidades mais próximas. Desde maio, a atividade do vulcão Kilauea, no Havaí, atrai curiosos, que observam seus rios de lava. No final de julho, o fenômeno se repetiu na região leste do Congo, África, a 20 quilômetros de Goma, uma cidade que parece estar sem sorte: em janeiro, outra erupção já a havia devastado. Uma coisa é certa: mesmo com vulcões, quando se trata de catástrofes naturais, o Brasil continua um país calmo para se viver.


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