Há dez anos Luiz Inácio Lula da Silva participava de seu primeiro encontro com empresários não petistas, num apartamento do luxuoso bairro dos Jardins, em São Paulo. “Era o apartamento de um amigo meu, que pediu para não avisar a imprensa. Foi um encontro clandestino”, lembra, rindo, Oded Grajew, amigo de Lula. “Hoje essas reuniões são normais. Mas naqueles tempos o receio era grande, o pessoal queria saber se Lula iria estatizar o País”, completa Grajew, presidente do Instituto Ethos, entidade que reúne 638 empresas, que representam 30% do PIB. O petista está na reta final de uma série de encontros que reuniu centenas de endinheirados, pregando o fortalecimento do capitalismo em todo o País. Foi ouvido com interesse e respeito pelos associados das entidades empresariais mais poderosas do País, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e as federações das indústrias de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. O petista visita ainda, nos próximos dias, a Bolsa de Valores de São Paulo, onde vai entregar sua proposta para o mercado de capitais, e a Associação Brasileira da Indústria de Base.

O resultado é que o ex-sindicalista quebrou o gelo com os patrões, embora esteja longe de atrair o voto e o engajamento do PIB. O setor prefere mesmo o tucano José Serra, que se reuniu, na segunda-feira 29, em jantar sigiloso, com poderosos da indústria e dos bancos. O novo Lula conseguiu desfazer a imagem de bicho-papão estatizante. As desconfianças ideológicas são coisa do passado. As preocupações são pragmáticas. Lula e o PT provocam o temor de que não sejam capazes de contornar os gigantescos desafios econômicos. Mas não há um pensamento único na elite a respeito de Lula, como explica um dos interlocutores do PT com os donos do capital. “O respeito a Lula é geral. Há uma fila de representantes de todos os setores nos procurando para conversar. Mas o mercado financeiro e os bancos nacionais e internacionais têm receio. Ainda temem que o PT abandone a
estabilidade da moeda. O setor produtivo está mais aberto porque
sabe que o País precisa crescer. O apoio dessa área a Lula vem aumentando. Os fazendeiros temem a reforma agrária, mas explicamos que é positivo Lula ter diálogo com o movimento social”, contou o integrante do comitê petista.

Há a turma da “gravata vermelha”, uma minoria engajada. São os empresários que criaram um comitê de apoio a Lula e pretendem até participar da campanha de rua, de braços dados com o candidato. Eles lançaram na segunda-feira 29 um manifesto com 100 assinaturas. “Nos encontros de Lula com empresários, ele impressiona por sua inteligência, singeleza, clareza do papel de um presidente da República, capacidade de negociação. Ele tem se mostrado um estadista”, disse Antoninho Marmo Trevisan, presidente da Trevisan Consultoria, a maior empresa do ramo no País, e da Faculdade Trevisan. “Vamos reunir milhares de assinaturas. Nosso apoio não é financeiro, mas político”, afirmou José Carlos de Almeida, diretor da JC Engenharia de Avaliações. Paulo Feldmann, vice-presidente da Ernst & Young Consultoria diz que o capital internacional não teme Lula. “O capital quer que o mercado consumidor no Brasil cresça e ninguém tem proposta mais consistente do que Lula. Eu era um tucanão, mas em 1998 me filiei ao PT e me orgulho muito disso. No início tive problemas, mas hoje a marca PT só me favorece. Passa uma imagem de ética e de interesse público”, conta.

Lula é o único candidato a ter um empresário como companheiro de chapa: o senador José Alencar (PL-MG), dono do grupo de tecelagem Coteminas, o maior do setor. Quando o PT selou a aliança com o PL, o filho de Alencar, Josué Gomes da Silva, vice-presidente da Coteminas, recebeu um fax do presidente da Gradiente, Eugênio Staub: “Seu pai tem um papel importante a desempenhar nesse cargo. Primeiro ajudando a diminuir resistências absurdas ao Lula, num radicalismo absolutamente incompreensível. A presença de um homem como o seu pai na chapa vai fazer esses radicais refletirem um pouco, antes de falar as muitas bobagens que estão falando hoje.” Josué diz que os efeitos positivos já são sentidos: “Ninguém deixa de reconhecer a capacidade de negociar de Lula.” De todos os encontros com empresários, o da Fiesp foi o mais simbólico. Afinal, foi do então presidente da entidade Mário Amato que partiu uma frase que resumia o horror da classe a Lula, durante a campanha de 1989. Amato havia declarado que, se Lula vencesse, 800 mil empresários fugiriam do País. Na terça-feira 30, a cadeira de Amato estava vazia no auditório do suntuoso templo do capital. Ele não quis constranger Lula com sua presença. “Não faz mais sentido o que falei naquela época. Os donos das empresas não precisam mais ir embora, o dinheiro é que vai sozinho, pois não tem mais pátria”, disse Amato em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Sinal dos tempos. O atual presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva, se mostrou um gentleman com Lula e sua tropa de choque, composta de uma dezena de governantes, parlamentares, sindicalistas e empresários simpatizantes do PT. Piva mostrou que Lula vem fazendo escola: “Companheira Marta e companheiro José Alencar…”, disse, ao começar seu discurso de boas-vindas aos petistas, citando a prefeita de São Paulo e o vice de Lula. Na primeira vez em que Lula esteve na Fiesp, em 1994, Piva era apenas mais um empresário na platéia. Não se conteve e enviou um bilhetinho para Grajew, que acompanhava o petista. “Que bom ter trazido o Lula aqui. É um grande avanço.” Dessa vez Lula demonstrou nervosismo no início da palestra, mas aos poucos foi relaxando e até recebeu aplausos ao afirmar: “Será preciso o PT ganhar as eleições para que vocês sejam reconhecidos como agentes políticos.”

Ao final do discurso de uma hora e dez minutos do candidato, Piva disse a Lula: “A indústria de São Paulo olha você com interesse e amizade.” E com muita curiosidade também. As 150 cópias do programa de governo de Lula colocadas à disposição na entrada do auditório esgotaram-se rapidamente. Frustrados, alguns empresários cercavam os petistas pedindo mais cópias do programa. Até agora, Lula foi o que atraiu mais público: 420 empresários contra 180 na palestra do candidato do PSB, Anthony Garotinho, e 340 na de Ciro Gomes, do PPS. A vez de Serra será na segunda-feira 5. Muitos empresários criticaram a performance de Lula. “O PT foi o único a apresentar propostas para a questão do racionamento da energia elétrica, mas as questões levantadas aqui não tiveram resposta”, observou Pio Gavazi, diretor da entidade e empresário do setor de componentes eletrônicos. Mas houve quem elogiasse. “Lula disse duas coisas muito boas: que a política é mais importante do que a economia. Portanto, o presidente da República não precisa ser um economista, mas um estadista. A outra coisa é que as reformas que o País precisa fazer devem ser negociadas e não impostas”, comentou Mário Bernardini, diretor de competitividade da Fiesp. “Não vou dizer que ele ganhou votos, mas abriu espaço para o diálogo”, completou. Justiça seja feita. Não foi só Lula que ficou light. O empresariado também.