Deu no The New York Times: “O governo iraniano organizou e executou, oito anos atrás, o atentado a bomba contra um centro comunitário judaico em Buenos Aires, que causou a morte de 85 pessoas, e depois pagou ao então presidente Carlos Saúl Menem US$ 10 milhões para que encobrisse o caso, disse uma testemunha em depoimento sigiloso.” A reportagem, publicada na segunda-feira 22 de julho, na verdade, não trouxe nada de novo sobre o atentado do dia 18 de julho de 1994 contra a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia). Segundo o diário americano, que afirma ter tido acesso a um relatório de 100 páginas sobre o caso, o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), depois do atentado, teria enviado um “homem barbudo, aparentando 50 anos”, para negociar com o então presidente iraniano, Hashemi Rafsanjani. O montante de dinheiro teria sido retirado da conta de Rafsanjani e depositado em uma conta de Menem num banco na Suíça. A “testemunha C” citada no relatório é Abdolghassem Mesbahi, ex-funcionário graduado do serviço secreto iraniano, que está sob a proteção do governo da Alemanha, desde que ajudou a desvendar o atentado a bomba ocorrido em 17 de abril de 1992 contra o Partido dos Trabalhadores Curdos do Irã, em Berlim.

ISTOÉ – A ligação dos ataques terroristas contra a comunidade judaica com o Irã já havia sido levantada por ISTOÉ na edição 1313 de 30/11/1994, em reportagem assinada por Mário Chimanovitch, quando o brasileiro Wilson Roberto dos Santos contou detalhes sobre o atentado contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires, em março de 1992, e sobre como os terroristas muçulmanos e forças de segurança argentinas teriam esquematizado a colocação de um carro-bomba deixado em frente à sede da Amia, em julho de 1994. Santos apontou nomes e lugares onde supostamente teriam sido arquitetados os planos e ainda implicou sua suposta namorada, a iraniana Nasrin Mokthtari. “Ela contou que seu grupo participara do atentado contra a Embaixada de Israel e seu retorno à Argentina (eles estavam em Zurique, Suíça) estava ligado aos preparativos para outra ação terrorista que deveria acontecer em 1994”, disse na época Santos a ISTOÉ. Segundo ele, Nasrin pertencia ao Hezbolá (grupo fundamentalista xiita libanês financiado por Teerã). Santos depois negou tudo, fugiu, foi preso na Suíça e deportado para a Argentina. Agora, ele responde a processo por perjúrio.

Há dois anos, o diário argentino Clarín citou as supostas ligações de Menem com os atentados, reveladas pela “Testemunha C” (Mesbahi) quando ele foi interrogado em 1998 no México pelo juiz argentino encarregado do caso, Juan José Galeano. Em 2000, Mesbahi voltou a ser interrogado pelo juiz, a quem teria revelado que o ex-adido cultural da embaixada iraniana em Buenos Aires, Moshen Rabbani, abandonou o posto logo após o atentado contra a Amia, levantando suspeitas sobre sua participação. De acordo com Mesbahi, o oficial iraniano atuava conjuntamente com um oficial do Vevak (Ministério da Inteligência do Irã) e tinha contato com grupos brasileiros. Ele também afirmou que os explosivos usados no carro-bomba eram provenientes do Brasil.

O promotor federal Jose Barbachia, que investiga o caso Amia, afirmou a ISTOÉ que até agora não se sabe de onde vieram os explosivos. “A bomba é de fabricação artesanal e é complicado descobrir. A investigação anti-terrorismo em qualquer lugar no mundo é muito difícil. A Justiça é lenta e trabalhamos com hipóteses. Aqui, nos deparamos com muitas dificuldades, porque não há instrumentos suficientes. Veja o caso Lockerbie, por exemplo. Levou 11 anos para que fosse descoberto o responsável (um ex-agente líbio foi condenado no ano passado pelo atentado que matou 270 pessoas, em 1988, na Escócia). Mas quatro policiais estão sendo investigados”, defende-se Barbachia.

São quase oito anos de uma morosa investigação e a pergunta que paira no ar é o porquê de esse caso estar novamente saindo dos escombros. “É a hora de pagar a conta”, disseram a ISTOÉ duas fontes do serviço de segurança americano. Segundo um agente da CIA (serviço secreto dos EUA), “essa história dos US$ 10 milhões é velha. Por que reapareceria agora? Simplesmente porque Menem é novamente candidato à Presidência, com grandes chances de ganhar. A manobra foi ativada pelo serviço secreto israelense (Mossad), que reacendeu o interesse da imprensa, no caso, o jornal The New York Times. A operação está coberta com as impressões digitais do Mossad”, garantiu o agente consultado por ISTOÉ. “Abdolghassem Mebahi já falou tudo o que tinha em estoque. Nós fomos convidados a ouvir Mesbahi, e o serviço de inteligência alemão dividiu muitas informações conosco. E essa história dos US$ 10 milhões de Menem ficou amplamente conhecida. Inclusive, na época, o Mossad – que também teve acesso a Mesbahi – fez um campanha de divulgação na Argentina. A publicação do NY Times é apenas para requentar a operação. E parece que, dessa vez, vai complicar muito a vida de Menem”, afirmou o agente.

Contas na Suíça – E já complicou. Menem, que há tempos negava ter uma conta na Suíça, admitiu na quarta-feira 24 ter depositado US$ 200 mil num banco suíço em 1986. Segundo o ex-mandatário, o depósito seria correspondente a uma indenização paga pelo governo argentino a pessoas que estiveram presas durante a ditadura militar (1976-1983). Mas há indícios de que ele tenha outra conta vinculada a seu nome e ao de seu secretário, Ramón Hernández. Com as denúncias, a Justiça argentina resolveu investigar as contas bancárias do ex-presidente junto ao governo suíço. No ano passado, Menem amargou cinco meses de prisão domiciliar por supostas implicações no contrabando de armamentos para a Croácia e o Equador, entre 1991 e 1995.

São cerca de 20 policiais sob investigação, mas o fato é que o brasileiro Wilson dos Santos, preso em 2000 na Suíça, é até agora o único detido. Segundo a CIA, teria não só ficado claro a autoria iraniana, mas, ainda mais grave, a participação do Side – órgão de inteligência argentino. “Apurou-se que houve colaboração logística do pessoal do Side e dos agentes do serviço secreto da Marinha e do Exército da Argentina, cujos quadros têm forte influência anti-semita, mas para os quais a motivação teria sido mesmo as altas somas pagas por seus serviços aos atentados”, afirmou o agente a ISTOÉ. Os serviços do Side também teriam sido ativados para calar o brasileiro.

O passado condena – O serviço secreto americano ainda cogitou uma possível queima de arquivo. “Na sede da comunidade judaica de Buenos Aires estava toda a farta documentação da entidade sobre a influência nazista no país – antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial. Existem muitos documentos comprometedores sobre esta relação”, afirmou. Segundo Berel Aizenstein, secretário-geral da Confederação Israelita no Brasil, o caso Amia está sendo acompanhado por um advogado da comunidade judaica desde as primeiras denúncias. “Há muito tempo há indicações que levam a acreditar no envolvimento de Menem no caso. Mas também existe o objetivo político de atingir Israel. E é claro que com a nova intifada a coisa ficou mais forte”, afirmou. Seja por pressão da comunidade judaica ou pelo requentado do respeitado diário americano, o promotor Barbachia prometeu que, “até as últimas consequências, Menem ou seja lá quem for será investigado”. A conferir.