Em 1945, o escritor Mário de Andrade retratou no poema A meditação sobre o Tietê que “debaixo do arco admirável da Ponte das Bandeiras o rio murmura num banzeiro de água pesada e oleosa”. O mesmo leito barrento que levava febre e morte servia de abrigo para garças e antílopes. Expoente da Semana de Arte Moderna de 1922, o poeta notava os primeiros sinais da degradação provocada pelo despejo de esgoto das casas e indústrias de São Paulo. Hoje, a mesma Ponte das Bandeiras é o mais crítico dos 1.050 quilômetros de extensão do rio. As poluídas águas do rio Tamanduateí desembocam ali, onde vivem cerca de 90 capivaras. Com as obras de rebaixamento do leito, as margens foram desmatadas e as capivaras, famintas, cruzam a pista. Só neste ano, o atropelamento dos animais provocou oito acidentes. Por isso, seis placas com o aviso “Cuidado, animais na pista” foram colocadas ao longo da marginal. Na terça-feira 23, parte dessas capivaras começou a ser removida para sua nova morada, o Parque Ecológico Tietê.

As capivaras se alimentam de capim, vegetação que cresce adubada pelo esgoto do Tietê. “Elas sobrevivem no lixo como ratos”, diz Malu Ribeiro, coordenadora da organização ambiental SOS Mata Atlântica. Durante a gestação, as capivaras percorrem até 90 quilômetros em busca de comida e de um ninho para procriar. Não são as únicas sobreviventes do esgoto. Garças, cágados e alguns peixes resistem às águas turvas. O mais famoso dos sobreviventes é o jacaré Teimoso, que em 1994 se esquivou por três semanas até ser capturado. Mário de Andrade, aliás, já se referia aos “lamurientos” jacarés paulistas.
A podridão do rio serviu de inspiração ao cartunista Laerte para criar os Piratas do Tietê. “Ninguém imagina nada navegando no Tietê, a não ser lixo”, diz ele. “Os personagens são a escória em quadrinhos”, brinca. Há alguns corajosos que mergulham no Tietê, trajando escafandros, para executar obras de despoluição, implantar redes coletoras de esgoto e medidores de qualidade.

O Tietê é um rio de contrastes. Ele nasce a 22 quilômetros do litoral, em Salesópolis, e, em vez de correr para o mar, como a maioria, suas águas transparentes seguem pelo interior porque não conseguem vencer as escarpas da Serra do Mar. Numa reserva de 400 hectares entre os rios de Paraitinga e Biritiba Mirim, o veterinário José Maurício Barbanti Duarte pesquisa o mazama bororó, espécie de veado em extinção. A fauna é rica, mas os caçadores são numerosos. Cem quilômetros adiante, a reserva ecológica de Itu guarda raridades como o tucano-de-bico-amarelo e o cachorro-do-mato-vinagre, mistura de lobo com raposa, duas espécies em extinção. A perspectiva para o rio ainda é suja. Se começassem hoje os trabalhos de despoluição, ele levaria 20 anos para ter a mesma água límpida e clara onde os paulistas nadavam e remavam até meados da década de 1930.