Pode soar estranho, mas em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, há um grupo de moradores construindo sua própria rede de esgoto sem gastar um tostão da prefeitura, e – para surpresa maior – ninguém está reclamando da falta de ajuda financeira numa empreitada que vai lhes custar R$ 430 mil. A curiosa iniciativa da comunidade do Jardim dos Pinheiros só ocorre porque eles sabem que o bairro fica a 50 metros da represa Billings, uma área de manancial, onde é proibido qualquer tipo de construção, principalmente o de suas moradias. Daí o impedimento do uso de verba pública no local. Antes do dinheiro, porém, o principal desafio para fazer a tão sonhada estação de tratamento era o de conseguir apoio do Ministério Público e poder mexer
numa área protegida. A decisão favorável da Promotoria foi oficializada na sexta-feira 12 e, se a aprovação também vier do governo estadual, até o final do ano o esgoto deixará de correr a céu aberto no bairro.

“Usar recurso do próprio bolso é ruim. Mas, aqui, a gente sabe que tudo vai para uma obra nossa”, conta o líder comunitário Zé do Pinheirinho, 47 anos. Cada uma das 816 famílias instaladas na região irá pagar durante 20 meses uma taxa de R$ 28. A previsão é de que a estação gerenciada pela Emparsanco trate cerca de 360 metros cúbicos de esgoto por dia. “Tem até uma verba extra no caso de inadimplência”, lembra Pinheirinho, referindo-se à taxa cobrada das casas com comércio. A moradora Eulália dos Santos, 45 anos, diz que, de agora em diante, não terá mais vergonha das visitas que sentem o cheiro do esgoto. “Se a casa da gente é aqui, não importa o valor, tem que ajudar”, diz. Da prefeitura, eles terão a implantação dos bueiros e da rede que levará os resíduos até a estação, além da pavimentação das ruas do bairro. Em tese, nem isso a administração pública poderia fazer. “Tirar aquelas pessoas de lá é inviável. Devemos pensar na recuperação ambiental com a presença deles”, avalia o secretário de Habitação e Meio Ambiente, Osmar Mendonça. A legislação ambiental que trata dos mananciais é de 1975. Se dependesse apenas dela, nenhum prego poderia ser batido tão próximo à Billings. No entanto, a ocupação desordenada da área no final da década de 80 fez com que a Assembléia Legislativa aprovasse um decreto para considerar a particularidade de cada situação. Só a proibição não estava resolvendo questões emergenciais.

A promotora do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo, Rosângela Staurenghi, explica que só está na briga do lado da comunidade porque ela terá de cumprir medidas como a coleta seletiva do lixo e a recuperação da vegetação. Tudo isso está previsto num acordo chamado Termo de Ajuste de Conduta. “Eles assinaram uma nota promissória”, brinca a promotora. Rosangela lembra que a Sabesp até poderia cuidar do esgoto fora do manancial, mas o custo da construção de uma rede até a estatal, em São Caetano, seria maior, além de demorar mais de 20 anos para ser concluído. “O ideal é a desocupação, mas o meio ambiente não pode esperar”, acrescenta. Hoje, na região da represa Billings, há 120 loteamentos clandestinos. A maioria formada por pessoas que compraram terras sem saber que ali nunca poderiam morar. Das exigências da Promotoria, a principal será a de impedir novas ocupações. “É o que a gente mais tem medo”, desabafa o morador Geraldo Lima, 50 anos.