Parece até ensaiado, mas as cinco integrantes da banda pop feminina Rouge contam em coro que no réveillon passado tiveram a sensação de que algo muito bom lhes aconteceria em 2002. Seja como for, a intuição coletiva funcionou. Hoje, a mineira Luciana Andrade, 24 anos; a mato-grossense Fantine Rodrigues Thó, 23; a carioca Karin Pereira de Souza, 23; a paulistana Aline Wirley da Silva, 20; e a paranaense Patricia Lissa Kashiwaba Martins, 18, vivem um conto de fadas moderno. Desde agosto, quando lançaram seu disco de estréia Rouge, elas se tornaram uma exceção na atualmente combalida indústria fonográfica brasileira. De acordo com a gravadora Sony Music, em menos de três meses o CD já vendeu 700 mil cópias. Feito raro em época de vacas magras, quando os donos dos maiores sucessos de 2001 e 2002 suaram para vender entre 250 mil e 800 mil em muito mais tempo. O álbum foi impulsionado pelo hit Ragatanga, canção balançante cuja base é um refrão onomatopaico, de caráter hipnótico. Principalmente para as crianças, que costumam reproduzir à exaustão a enérgica coreografia dançada pelo grupo, acompanhada dos seguintes versos: “Asehere ra de re/De hebe tu de hebere seibiunouba mahabi/An de bugui an de buididipi/Asehere ra de re”.

A combinação estrambótica de palavras gerou um texto na internet apontando o refrão como uma perigosa trama demoníaca, evocada em dialeto africano. As garotas do Rouge se divertem com tamanha imaginação. “Pura bobagem, imagine”, desdenha Luciana. Ragatanga é cantada em conjunto com o trio de irmãs Las Ketchup, sensação na Espanha, intérpretes do sucesso original, cuja letra foi tirada de um antigo rap de 1979, Rapper’s delight, da banda Sugarhill Gang. No CD brasileiro de Las Ketchup, o Rouge retribui a participação.

O álbum do Rouge ainda traz outras baladas românticas repletas de
letras falando de paixões juvenis. A produção é de Rick Bonadio, o
mesmo que já esteve por trás do fenômeno Mamonas Assassinas.
Rouge integrou um projeto calcado em intenções ambiciosas. Nasceu
num laboratório televisivo, o programa Popstars, na verdade um reality show inspirado em modelo internacional, cujo maior apelo é mostrar
como se produz, passo a passo, uma banda pop. No Brasil, a atração ganhou corpo através do SBT aliado à produtora RGB Entertainment,
que administra o Rouge e tem o direito da marca Popstar em toda a América Latina. Na Argentina, por exemplo, o grupo Bandana, só de garotas, é mania nacional. Mesmo caminho segue os meninos do
Mambru, também gestado no Popstars portenho.

Rigidez – Tal como seus parceiros de fama, as cinco garotas brasileiras sobreviveram a uma seleção difícil. No princípio, eram 30 mil inscritas. Seis mil foram escolhidas para participar de uma gigantesca eliminatória no Sambódromo paulistano. Depois de outras seis eliminatórias, sobraram oito garotas que ficaram trancafiadas numa ampla casa na Granja Viana, zona oeste de São Paulo. Das oito, restaram as cinco atuais. O produtor Rick Bonadio, que participou da seleção, se impressionou com a rigidez do processo. Testes mediam todas as aptidões para quem quer se dar bem na vida artística. Da capacidade vocal, passando pela desenvoltura na dança, até a afinidade com a câmera. “Só quem realmente tem garra chegou ao final. Em alguns momentos, a seleção foi cruel.” Alexandre Schiavo, vice-presidente de marketing da Sony Music, outro participante do júri, também recorda como a disputa foi penosa para todos os envolvidos. “Nunca disse tanto não na minha vida. Cansei de repetir milhares de nãos para as garotas eliminadas e quando chegava no hotel parecia estar em outro mundo, nem conseguia tomar banho”, exagera. Ao final do concurso, em 17 de julho de 2002, o júri finalmente disse sim para as cinco vencedoras que iniciariam uma maratona inimaginável.

No domingo 3, as cinco integrantes do Rouge conversaram com ISTOÉ num flat na zona sul de São Paulo. Tinham passado a madrugada de sábado gravando uma canção para ser inserida num DVD do KLB. No mesmo domingo filmaram os primeiros takes de seu próprio programa de tevê, com o pomposo nome de Rouge – a história, que será exibido pelo SBT, ainda sem data. Luciana, a mais desenvolta, já analisa o fenômeno. “Estamos nos adaptando, mas é uma mudança muito drástica em nossas vidas. De qualquer forma é muito melhor do que cantar em bares por R$ 20.” Antes da fama, todas cantavam em suas respectivas cidades. “Não é porque somos um grupo de laboratório que não tínhamos experiências anteriores”, acentua Luciana. É verdade. Independentemente de se gostar ou não do repertório das meninas, elas são boas cantoras. “ É no estúdio que você elimina as últimas dúvidas. Por mais que se diga o contrário, o mercado não funciona só com invenções. Ninguém joga dinheiro em quem não tem talento”, afirma Bonadio.

Estilo – Mesmo assim, o novo diamante da indústria fonográfica
brasileira vem sendo sistematicamente lapidado. Até bem pouco tempo atrás, as garotas se esfalfavam em aulas de dança, canto, encontros com psicólogos, fonoaudiólogos e clínicas de estética. As cinco,
pode-se dizer, fogem dos tradicionais padrões de beleza que afivelam só mulheres magras, louras oxigenadas e rostinhos angelicais. “Fazemos
um estilo casual glamouroso”, sintetiza Fantine. “Gostamos muito de jeans e roupas coloridas, que nos deixem à vontade e não pareçam fantasias.” O gênero tem agradado em cheio às crianças e adolescentes. Fantine explica a afinidade. “Como temos pouca experiência, acho que transmitimos certa pureza. As crianças se identificam com essa
verdade, essa ingenuidade.” Certa do papel público, Karin tem visitado comunidades carentes no Rio de Janeiro. “Eu e a Aline somos
espelho para muitas crianças negras e pobres.”

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A diversidade dos tipos e personalidades também foi considerada na hora da construção do grupo. Elisabetta Venatti, diretora-geral da RGB e do Popstars, avisa que o critério principal foi a voz. “Mas observamos bastante como elas se comportavam durante a convivência. Era preciso que elas tivessem espírito de equipe.” Atualmente, as cinco moram em pequenos apartamentos, alugados pela RGB, num mesmo edifício em São Paulo. Parece até história de filme, mas tudo é organizado e facilitado para elas. “Marcamos do médico à manicure, pagamos as contas e providenciamos documentos. No entanto, deixamos claro que elas são meninas normais e, às vezes, têm de lavar louça, cozinhar e limpar o apartamento”, conta Elisabetta. Por enquanto, a paparicação é pertinente. As garotas têm contrato com a Sony Music para mais dois discos, com a opção de um outro. Preparam-se para lançar um DVD e iniciar em dezembro uma longa turnê pelo País. Até agora, elas não saem dos programas de rádio e televisão. Só a Rede Globo não se rendeu ao grupo por tratar-se de um produto criado pelo concorrente SBT. Mas, como tudo no show bis é relativizado pelo dinheiro, é bem provável que Rouge – a história ainda seja contada na tela do plim-plim.


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