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 “Ao vir aqui hoje, eu não tenho interesses ocultos. Estou lutando pelo meu futuro.” Com essas palavras, uma menina de 12 anos abriu seu discurso na sessão plenária da ONU no último dia de debates da Eco-92, há quase 20 anos. Na plateia, líderes de Estado, jornalistas e diplomatas assistiam hipnotizados. Alguns choravam. Gravada em vídeo, a apresentação rodou o globo, e a garota ficou conhecida como “a menina que calou o mundo em cinco minutos”.

Duas décadas depois, a canadense Severn Suzuki, agora com 32 anos e mãe de dois filhos, ainda crê nos mesmos ideais. Em licença-maternidade, ela se prepara para voltar ao Brasil para a Rio+20. Com a mesma voz firme e incisiva que impressionou as autoridades há duas décadas, a ativista falou à ISTOÉ. 

Assista ao vídeo que mostra o discurso de Severn aos 12 anos na Eco-92:

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ISTOÉ – Como a sra. se envolveu com a causa ambiental?

Severn Suzuki – Quando eu tinha nove anos, fiz uma viagem com minha família para o vale do Xingu, na Amazônia. Passamos um tempo numa aldeia caiapó, e isso mudou completamente a minha vida. Era um mundo muito mágico. Quando voltamos, voamos num pequeno avião para a cidade mais próxima, passando por cima de algumas queimadas na floresta. Na época, eu não sabia direito o que estava acontecendo. Mas era tão chocante para mim, como criança, o fato de aquele lugar, aquela linda floresta tropical estar sendo destruída, que eu senti que tinha de fazer alguma coisa a respeito. 

ISTOÉ – Como a sra., ainda criança, foi parar na Amazônia?

Severn – Meu pai viajava muito a trabalho. Ele era apresentador de tevê e fez um programa sobre o rio Amazonas. Ele e minha mãe conheceram um líder caiapó e se envolveram nas causas que ele defendia. Em 1989, havia o perigo da construção de uma grande hidrelétrica no vale do Xingu, chamada Kararaô. Os indígenas se uniram e formaram uma coalizão para impedir o projeto (essa união aconteceu durante o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, que ficou marcado pela imagem da índia Tuíra encostando um facão no rosto do presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz). Com a repercussão, conseguiram impedir que a hidrelétrica fosse construída, porque o Fundo Monetário Internacional (FMI) era o grande financiador. E o engraçado é que, 20 anos depois, o Brasil não depende mais do FMI e a mesma usina está sendo construída em Belo Monte.

ISTOÉ – E o que a sra. resolveu fazer após essa viagem?

Severn – Eu montei um clube ambiental na escola chamado Organização Ambiental das Crianças (ECO, na sigla em inglês). Éramos só um pequeno grupo de crianças. 

ISTOÉ – E como a sra. foi parar na Eco-92?

Severn –  Foi a soma de trabalho duro e muita sorte. Fazíamos um jornal para outras crianças, íamos até a praia recolher lixo e levantávamos dinheiro para outras organizações. Aí ouvimos falar da Eco-92, e soubemos que seria a maior reunião de líderes de Estado já feita para discutir a proteção ambiental. Decidimos que tínhamos de ir, para lembrar a eles quem seria afetado pelas suas decisões. Achávamos que encontraríamos homens velhos, sentados em reuniões que decidiriam o nosso futuro. Registramos nossos nomes no Fórum Global e falamos com todos. Então as pessoas começaram a nos ouvir. Éramos muito incomuns, não havia crianças por ali. No último dia, fomos convidados para ir à sessão plenária da ONU.

ISTOÉ – E como a sra. se sentiu, aos 12 anos, falando para uma plateia de líderes mundiais?

Severn – Eu sabia o que estava fazendo. Não havia tempo para ficar nervosa, já que só tivemos uma hora para chegar lá a partir do momento em que fomos informados sobre o discurso. Mas eu sabia qual era o meu objetivo. Tínhamos trabalhado por duas semanas, passando nossa mensagem e falando sobre ela, então estava bem preparada. Eu me lembro de sentir um incrível senso de clareza quando estava no palco.


ISTOÉ – A sra. acha que poderia repetir o mesmo discurso na Rio+20?

Severn – Sim, acho que outra criança de 12 anos poderia proferir o mesmo discurso. Não fizemos tanto progresso quanto deveríamos, é decepcionante. Vinte anos depois, temos a oportunidade de fazer uma reflexão e perguntar a nós mesmos se progredimos em nossas metas. Precisávamos de uma grande mudança há 20 anos e ainda não a alcançamos. Ainda vivemos de maneira insustentável. 

ISTOÉ – O seu modo de pensar as questões ambientais mudou muito desde a Eco-92?

Severn – Eu estou 20 anos mais velha. Mas meu pensamento é o mesmo. Por algum motivo, não muito tempo atrás, nossa sociedade começou a se planejar apenas para o curto prazo. Nós não damos muito valor ao futuro do planeta e em como nossas ações vão se refletir daqui a 20, 30 ou 50 anos. Estamos cometendo delitos contra as próximas gerações, o que chamo de crime intergeracional. Gerações passadas se omitiram, mas as futuras vão ter de lidar com essas questões por toda a vida. Minha mensagem é a mesma, mas minha perspectiva mudou. Agora eu sou mãe e ainda acredito que nós iremos mudar o mundo, se realmente mantivermos a conexão entre o que estamos fazendo e o bem-estar de nossos filhos.

ISTOÉ – O que a sra. achou da última reunião sobre mudanças climáticas da ONU, a COP-17?

Severn – Foi absolutamente vergonhosa. Precisamos que a comunidade internacional trabalhe em conjunto. Não há opção, ainda necessitamos dos líderes mundiais para promover a mudança. Mas sinto que não podemos esperar por eles. Estou muito envergonhada de o meu país ter deixado o Protocolo de Kyoto no ano passado. No Canadá, temos visto algum progresso nos níveis municipais e locais, mas não no nível internacional.

ISTOÉ – Nessas reuniões, há uma clara divisão entre países em desenvolvimento e os desenvolvidos. O que a sra. pensa dessa cisão?

Severn – Não consigo acreditar que os países ricos sejam incapazes de assumir a liderança necessária para resolver os problemas que eles mesmos criaram. É absolutamente ridículo que o Canadá e os Estados Unidos digam: “Precisamos que a China, a Índia e outros países tomem uma atitude, olha a quantidade de gases do efeito estufa que eles estão liberando.” A maior parte do CO2 na atmosfera foi emitida por países desenvolvidos! Esse é nosso problema, e temos que limpar a nossa bagunça. É claro que outros países têm o direito de se desenvolver, mas nós precisamos assumir a responsabilidade pelo problema que criamos. Fico muito decepcionada com o argumento de que “nós só vamos assinar se a China e a Índia tomarem determinadas medidas”. Isso não é liderança.

ISTOÉ – O que a sra. pensa sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte?

Severn – Acredito que provavelmente irá acontecer alguma ação internacional contra isso, e eu farei parte dela. Aqui está o exemplo perfeito de como precisamos da negociação e do suporte internacionais. A Amazônia é o pulmão do planeta. Se não a protegermos, todas as formas de vida do planeta sofrerão consequências. Neste momento nós não valorizamos o que realmente tem impacto na saúde humana, na qualidade de vida e na diversidade das criaturas que existem no nosso planeta. Isso sustenta a nossa própria existência! E se nós, como comunidade internacional, não começarmos a valorizar essas coisas, não seremos capazes de priorizar os verdadeiros valores de um ecossistema tão incrível como o da Amazônia. 

ISTOÉ – Qual será a sua participação na Rio+20?

Severn – Irei com a comitiva canadense que formamos para a convenção. Temos algumas políticas pelas quais queremos pressionar o nosso governo. Também falarei em vários eventos paralelos. Mostraremos que existe uma alternativa e reforçaremos nossa solidariedade com o Brasil e os países que trabalham pela sustentabilidade. Também estou tentando levar ao evento um grupo de indígenas do Canadá. Eles formaram uma coalizão e foram capazes de negociar muito bem com o governo. Espero que esse exemplo possa ser útil aos indígenas da Amazônia, pois ouvi dizer que há muita desunião entre as tribos afetadas pelas obras de Belo Monte.


ISTOÉ – Qual a sua opinião sobre os radicais do ambientalismo?

Severn – Eu apoio o Sea Shepherd. Eles são uma dissidência do Greenpeace e controlam os oceanos para garantir que a lei internacional seja cumprida, especialmente no que diz respeito às baleias. Eles tentam sabotar embarcações, mas não estão quebrando a lei, já que defendem a legislação internacional. Precisamos começar a pensar fora da caixa. E, se não começarmos a mudar nossas ações ambientais, passaremos a ver muito mais violência e mortes. Não acredito no uso da violência, mas definitivamente creio em desobediência civil e acho que esse é um caminho para enfrentar os crimes intergeracionais que a nossa sociedade vem causando.

ISTOÉ – A sra. pensa em entrar para a política?

Severn – Sim, acho que em algum ponto terei que enveredar por esse caminho. Só não acontecerá em breve.

ISTOÉ – Há quem diga, cientistas incluídos, que o aquecimento global e as mudanças climáticas são superestimados. Qual a sua posição?

Severn – A mídia tem feito um desserviço ao divulgar essa controvérsia, que simplesmente não existe. Se você olhar para o número de climatologistas que apoiam os dados do Painel Intergovernamental da ONU para as Mudanças Climáticas (IPCC), fica claro que não há debate científico. Mesmo que 90% dos climatologistas digam que o aquecimento global está acontecendo e o dano foi causado pelo homem, os meios de comunicação acham alguém dos 10% que negam o aquecimento global e dizem que não é possível prová-lo. A mídia coloca como se fosse um debate com duas metades iguais. Temos de ser mais espertos.

 

 


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