Quinta-feira 21, à noite, Adão Ignácio, 48 anos, deu à sua mulher um presente inusitado: um“vale-pônei”, pelo qual ele pagou R$ 2 mil na tarde do mesmo dia. O pônei que ela vai receber nos próximos dias constituía o lote 15 do leilão judicial de alguns bens de Ricardo Mansur, ex-rei do varejo, ex-presidiário (de 14 de agosto a 4 de outubro de 2001), ex-fugitivo (em Paris e Londres, para escapar de um mandado de prisão de setembro de 2000), ex-dono da Barnet Indústria e Comércio, holding de Mappin, Mesbla e Crefisul, que sucumbiram à falência com dívidas de mais de um bilhão de reais.

Ricardo Mansur, desde quinta-feira, também é o ex-dono de uma poderosa Mercedes-Benz SL-600, V-12, 6.000 cilindradas, prata com capota azul-marinho, conversível, transmissão automática, motor com 12 cilindros, modelo 1997, arrematada por R$ 110 mil. O leilão levou outras Mercedes de Mansur, todas blindadas, tratores velhos, caminhão, as éguas Maluca e Xereta, além de três cavalos (uma pechincha de R$ 200 porque foram castrados), animais que ele utilizava para jogar pólo. Foram 26 lotes: a Mercedes E-320t, 98, tipo perua, avaliada em R$ 91 mil e arrematada por R$ 64 mil pelo mesmo Adão que levou o pônei; outra Mercedes, C280, 1996, blindada, saiu por R$ 45 mil; o apartamento duplex de 489 m2 em Moema, São Paulo, avaliado em R$ 430 mil e arrematado por R$ 340 mil depois de 15 lances. Rápido no gatilho, novamente o comerciante Adão levou. “É para meu filho, Kleber”, disse.

Não sobraram nem as seis avestruzes da raça african black, arrematadas por R$ 22,7 mil. “Foi um sucesso, com 140 pessoas”, comemorou o elegante leiloeiro oficial Aguinaldo Gabriel Arcanjo Camorim. “Vendemos 99%”, diz ele, explicando que 60% ultrapassaram o preço mínimo e o restante, que atingiu 70% desse mínimo, será liberado pela Justiça porque há precedentes. Só sobrou um terreno de 810 m2 em Monte Alegre do Sul, SP. Foram arrecadados R$ 1,1 milhão pago à vista. Valor que segue para o administrador da massa falida, o advogado José Carlos Etrusco, que encaminhará o pagamento dos credores.

O terreno que sobrou deverá entrar nos próximos leilões, que trarão jóias ainda mais reluzentes do portentoso reino de Mansur. São bens que, na terminologia da Justiça, estão “arrecadados”, o que significa estarem apreendidos pelo juiz da falência por terem sido “desviados” por Mansur para tentar mantê-los em seu patrimônio. Por exemplo, a majestosa mansão no número 663 da rua México, vizinha à de Paulo Maluf, um dos endereços mais caros de São Paulo.

Palácio – É um palácio com 1.560 metros de área construída, comprado de José Ermírio de Moraes, onde o menor ambiente é certamente maior que a cela de 36 m2 que Mansur foi obrigado a dividir com outros 19 detentos da pesada quando esteve preso. Quem mora lá como inquilino é um dos personagens principais das falcatruas de Mansur, Washington Umberto Cinel. Esta casa teria sido vendida a uma empresa off-shore do Uruguai, a Compañia Administradora de Valores Sociedad Anonima. Negócio de fachada, uma simulação, segundo os documentos que estão na Justiça. Outro documento do Tribunal de Justiça de São Paulo revela que, às vésperas da falência, a Barnet transferiu, por meio de dações em pagamento, imóveis valiosos para as filhas de Mansur, Paola e Marie, acionistas da companhia, bens que foram transferidos à empresa das duas, a Market Consultoria. Em seguida, as irmãs hipotecaram esses imóveis à H.I.C Hermann Beteilingunsgesellschaft m.b. Brasil Ltda., dirigida por um braço direito de Mansur, em garantia de uma dívida da Barnet. Os desembargadores não demoraram para perceber a confusão patrimonial arquitetada, verdadeira roda-gigante onde tudo voltava ao ponto de partida – ele mesmo.

Há pilhas de documentos no Tribunal de Justiça de São Paulo que revelam os tortuosos caminhos das tramóias praticadas no império empresarial, que renderam a Mansur o status de milionário bem relacionado, que jogava partidas de pólo com príncipes em campos ingleses, frequentava jantares da high society, desfilava em carrões blindados e, dia sim, dia não, surgia nas colunas sociais como o supra-sumo do empreendedor,
o ex-dono de uma papelaria no centro de São Paulo que virou o rei do varejo comprando empresas endividadas e, depois de uma boa guaribada, passava para a frente e enchia o bolso de dinheiro. Essa segunda parte ele fez muito bem. Viveu como rei na Inglaterra da rainha Elizabeth e, falido, vive como rei em São Paulo, numa mansão no Morumbi, uma das muitas que, seus credores esperam, logo estarão em outro leilão. “Vim
me vingar, ele me deve R$ 500 mil”, diz Ximenez Belchior, que comprou um caminhão.

O advogado José Carlos Etrusco, síndico da massa falida, fala pouco, mas não tem boas notícias para Mansur. Diz que suas filhas confessaram que tinham recebido bens transferidos de seu pai. Diz também que o artigo 188 da Lei Falimentar pode levar de volta Mansur à cadeia, por desvio de bens, crime de reclusão, com pena de um a quatro anos. Desta vez, porém, ele não iria sozinho. Todos os envolvidos em transferências fraudulentas de bens poderiam fazer-lhe companhia.

Ricardo Mansur virou o rei do calote, entrou para as páginas de escândalos, sumiu das colunas sociais. Mas continua milionário. Sua propriedade cinematográfica em Indaiatuba, SP, tem 100 cômodos, o que, convenhamos, não é nada mal para uma eventual prisão domiciliar de um rei falido e enrolado na Justiça.