A sexta-feira 4 mal havia começado quando o empresário Abilio Diniz, dono do Grupo Pão de Açúcar, começou a disparar telefonemas para seus principais acionistas informando que havia fechado um dos maiores negócios de sua carreira, a compra da Casas Bahia. O telefonema de Abilio não informava apenas que sua empresa havia adquirido uma das maiores e mais populares cadeias de lojas de eletrodomésticos do País. Ele deixava claro, na verdade, que agora o Grupo Pão de Açúcar consolidava-se de forma isolada como um gigante varejista poucas vezes visto na história brasileira e, também, como um dos 50 maiores grupos de venda direta ao consumidor do mundo. O negócio foi gestado em segredo por meses, mas seu anúncio foi feito às pressas por conta da suspeita de que informações privilegiadas tivessem vazado para investidores da Bovespa. Do acordo entre os Diniz e os Klein nasce uma empresa com faturamento de mais de R$ 40 bilhões, cerca de 1,8 mil lojas espalhadas pelo País e nada menos que 137 mil funcionários. A operação não envolveu dinheiro, apenas troca de ações. A nova empresa terá como controlador o Grupo Pão de Açúcar, com 51% das ações. O restante ficará com a família de Samuel Klein, o lendário fugitivo do campo de concentração de Auschwitz que criou a Casas Bahia há 57 anos. Seu filho, Michael Klein, será o presidente do conselho de administração. “Juntos nós temos muito mais condições de crescer do que individualmente. Por isso escolhemos nos unir ao Pão de Açúcar”, afirmou Klein ainda na sexta-feira.

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FECHADO Diniz (à dir.) e Klein: empresa de R$ 40 bilhões

A operação que cria o maior grupo de varejo brasileiro ainda precisa de aprovação do governo. Nos próximos meses o negócio será analisado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, que decidirá se a união das duas empresas não causará prejuízos aos consumidores e às outras companhias do setor. A tendência, acreditam analistas, é de que o órgão não faça restrições à operação, principalmente porque o segmento varejista ainda é muito pulverizado no País. “Pão de Açúcar e Casas Bahia juntos detêm cerca de 20% do mercado, o que ainda é pouco. Serão cerca de mil lojas de eletrodomésticos e a participação ainda é baixa”, afirmou Abilio Diniz, dando o tom do discurso que o grupo deve assumir junto ao Cade. “Nossa ideia é ter os preços mais baixos. Quanto maior a capacidade de distribuição e a eficiência produtiva, a tendência é que o preço baixe ainda mais para o consumidor final”, disse o executivo.

A expectativa é de que as operações sejam unificadas em 120 dias. A princípio não há a intenção de que nenhuma das marcas que agora pertencem a este gigantesco grupo desapareça. Nem mesmo o Ponto Frio, adquirido pelo Pão de Açúcar na metade deste ano e que concorre diretamente com a Casas Bahia, deve sair do mercado. “Vamos ter a liberdade de escolher entre todas as marcas para aproveitar melhor a capacidade de cada local”, disse Klein. Outra ideia é unificar lojas que atuem em uma mesma região. De acordo com Klein e Diniz, uma opção pode ser a ampliação de uma loja, aproveitando o espaço da antiga concorrente. Apesar do discurso de união total, poucos acreditam que todos os 137 mil postos de trabalho sejam mantidos. Em uma operação dessa proporção, atividades sempre são duplicadas e o desligamento de uma parcela dos funcionários é praticamente inevitável.

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SINERGIA As duas empresas prometem reduzir os preços ao consumidor final com a integração de suas operações no País

Inevitável também foi a antecipação do anúncio do após a valorização repentina das ações na semana passada. Nos dois dias que antecederam o comunicado oficial, as ações da Globex, a empresa do grupo Pão de Açúcar que formalizou a fusão, subiram mais de 50%. Só na quinta-feira 3, véspera do anúncio, os papéis da companhia, que também controla o Ponto Frio, tiveram uma valorização superior a 35% e um volume de negociações na Bovespa sete vezes maior do que a média. No dia do anúncio, na sexta-feira 4, as mesmas ações subiam mais de 30% às 13 horas. A movimentação atípica dos papéis leva a crer que houve tráfico de informações entre pessoas que sabiam do negócio e, com dados privilegiados, tiveram ganhos muito acima da média. No jargão do mercado financeiro o caso ganha o nome de “inside trading” e, assim como aconteceu em casos recentes, deve ser investigado pela Comissão de Valores Mobiliários, o órgão do governo que fiscaliza as operações na Bovespa.

Ainda não está claro qual será a estratégia do Pão de Açúcar daqui em diante. Uma coisa é certa: o grupo vai focar, em um primeiro momento, em expandir sua participação no mercado brasileiro. Há dúvidas, no entanto, se a companhia vai iniciar uma expansão internacional, tão comum no setor. A partir de agora, a empresa que nasce da fusão entre o Pão de Açúcar e a Casas Bahia vai ocupar uma posição de destaque no cenário internacional, tornando-se uma das 50 maiores do mundo em faturamento. Um feito e tanto para o imigrante português Valentim Santos Diniz, que começou a carreira com um empório de secos e molhados na zona sul de uma São Paulo ainda pouco industrializada, e para o sobrevivente dos campos de concentração nazistas Samuel Klein.

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