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DISTRAÇÃO
Para André Martini (acima), os encontros semanais perderam a graça
quando a atenção dos amigos migrou para as telinhas dos celulares

Todas as terças-feiras, por volta das 21h30, um grupo de oito paulistanos se reúne em um bar de Moema, bairro nobre da zona sul da capital, para colocar o papo em dia. É um compromisso que não falha há sete anos. Tudo tem espaço na roda de conversa, em que participam empresários, publicitários, advogados e administradores de empresas na casa dos 30 anos. Mas, de uns tempos para cá, alguns dos membros do pequeno clube estavam ficando dispersos. Plugados em seus smartphones, eles se distanciavam dos amigos presentes para dar conta de um fluxo infinito e impessoal de piadinhas, notícias e conversas picotadas geradas por redes sociais como o Facebook e o Twitter. “Começou a virar um problema de uns dois meses para cá”, diz o advogado André Martini, 26 anos. “Reconheci que, como alguns dos meus amigos, não conseguia desligar e aproveitar aquele momento no bar. Estava viciado.” A saída foi adotar o “phone stacking”, uma espécie de jogo em que o grupo é obrigado a empilhar os celulares. Quem não resistir e checar o aparelho paga a conta. A medida funcionou para a turma de Martini.

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O vício em redes sociais é uma realidade e tem impactos impossíveis de ignorar, como mostra o exemplo acima. Um dos primeiros estudos a revelar a força dessa nova dependência de forma inconteste foi apresentado em fevereiro pela Universidade de Chicago. Depois de acompanhar a rotina de checagem de atualizações em redes sociais de 205 pessoas por sete dias, os pesquisadores concluíram, para espanto geral, que resistir às tentações do Facebook e do Twitter é mais difícil do que dizer não ao álcool e ao cigarro. Uma consulta aos números do programa de dependência de internet do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (IPq-HCUSP) dá contornos brasileiros ao argumento posto pelos americanos de Chicago.

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PRIORIDADE
Jackeline Roque, 21 anos, já deixou de viajar para não perder
as atualizações do Facebook, que ela acompanha de um smartphone

Hoje, 25% dos pacientes que buscam ajuda no programa do IPq o fazem atrás de tratamento para o vício em redes sociais. “E esse percentual deve aumentar”, afirma Dora Góes, psicóloga do programa. “Até o fim do ano queremos ter um módulo específico para tratar essa vertente da dependência de internet.” Não será fácil estabelecer um protocolo de tratamento. O vício em redes sociais é forte como o da dependência química. Como o viciado em drogas, que com o tempo precisa de doses cada vez maiores de uma substância para ter o efeito entorpecente parecido com o obtido no primeiro contato, o viciado em Facebook também necessita se expor e ler as confissões de amigos com cada vez mais fre­quência para saciar sua curiosidade e narcisismo. Sintomas de crise de abstinência, como ansiedade, acessos de raiva, suores e até depressão quando há afastamento da rede, também são comuns. “É como um alcoólatra”, afirma Dora. “Se para ele o bar é o objetivo, para o viciado estar sempre conectado às redes sociais é a meta.”

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CURADO
O carioca Celso Fortes, 40 anos, que trabalha com mídias sociais,
sofreu para conseguir conter o vício, hoje controlado

Embora não pretenda buscar tratamento e não se veja como doente, a estudante de moda paulistana Jackeline Roque, 21 anos, tem certeza de que é uma viciada. Usuária assídua do Facebook, a maior rede social do mundo, ela admite já ter evitado viagens quando sabia que não teria acesso a ela no destino. “E quando vou para a casa da minha avó, que não tem computador ou cobertura de internet móvel, fico bastante aflita”, diz. Aflição esta que pode muito bem ser o primeiro sinal de uma crise de abstinência. “Quando volto a me conectar, vejo quanto perdi.”

Atualmente, a atenção em torno do assunto é tamanha que já há setores defendendo a inclusão da dependência por redes sociais na nova edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria, que deve ser publicada em maio de 2013. O pedido mais incisivo veio de um time formado por quatro psiquiatras da Universidade de Atenas, na Grécia, que publicou um artigo na revista acadêmica “European Psychiatry” com uma descrição assustadora da rotina de uma paciente de 24 anos completamente viciada. Trazida à clínica pelos pais, ela passava cinco horas por dia no Facebook, havia perdido os amigos reais, o emprego, a vida social e, aos poucos, estava perdendo a saúde, pois já não dormia nem se alimentava bem. “A paciente usava a internet havia sete anos e nunca tinha tido problemas”, diz o artigo. “A rede social é que foi o gatilho para o distúrbio do impulso.” Considerando a escala potencialmente planetária desse novo candidato à doença – o Facebook tem 901 milhões de usuários no mundo, sendo 46,3 milhões no Brasil, o segundo país com maior participação da Terra –, o pleito é mais do que razoável.

O paulistano Lucas Monea, 21 anos, estudante de educação física e estagiário em uma academia, ainda não está perdendo a saúde. Mas o sono ele já perdeu muitas vezes por causa das redes sociais. “Ouço o teclado de madrugada, mando-o desligar, mas ele continua lá”, diz a mãe do universitário, Cristina Ribeiro. Além do computador, Monea acessa o Facebook por um smartphone pré-pago que comprou em agosto de 2011. Atento às promoções da operadora, ele se desdobra para garantir internet móvel ininterrupta no aparelhinho pelo menor preço possível – e sempre consegue. “Converso com amigos, vendo suplementos alimentares, faço de tudo”, diz ele. “Da hora que acordo à hora que vou dormir, não desligo mesmo.” Não é só ele. Um estudo feito pela Online Schools em fevereiro, batizado de “Obcecados pelo Facebook”, mostrou que metade dos usuários da rede social com idade entre 18 e 34 anos faz o primeiro acesso do dia logo que acorda, sendo que 28% o fazem enquanto ainda estão na cama.

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INSONE
Lucas Monea passa as madrugadas no Facebook e usa promoções
de operadoras para ter internet constante no celular

Entender as razões dessa compulsão em ascensão é um desafio. Por que usamos tanto e, às vezes, até preferimos esses canais para nos comunicar? Carlos Florêncio, coach e consultor em desenvolvimento pessoal há 20 anos, com mais de 60 mil atendimentos no currículo, tem uma teoria: “Nas redes sociais temos controle absoluto sobre quem somos”, diz ele. Lá, as vidas são editadas para que só os melhores momentos, as mais belas fotos e os detalhes mais interessantes do dia a dia sejam expostos. Até os defeitos, quando compartilhados, são cuidadosamente escolhidos. “É uma realidade paralela em que todos apresentam o que julgam ser suas versões ideais”, afirma Florêncio. E isso tem um custo imenso. São poucas as pessoas que conseguem, de fato, viver o ideal que projetam, o que gera grande frustração. E mais: privilegiar as relações mediadas pela internet compromete as nossas habilidades sociais no mundo real. “Desaprendemos a olhar no olho, interpretar os sinais corporais e dar a atenção devida a quem está ali, diante da gente”, diz Dora, do IPq-HCUSP.

Mas nem tudo é ruim nas teias das redes sociais. Pelo contrário. Grande parte do que elas oferecem é bom. O problema é saber dosar o uso para que as vantagens não sejam ofuscadas pelo vício que surge com os excessos. “Ame a tecnologia, mas não a ame incondicionalmente”, afirma Daniel Sieberg, autor do livro “The Digital Diet” (Random House, 2011), sem tradução para o português. Na obra, Sieberg apresenta um teste desenhado para medir o nível individual de consumo digital e propõe um controle, ou uma dieta, para regular os excessos (faça o teste na página 67 e confira as dicas da dieta nas páginas 68 e 69). “Fui um viciado, reconheço, mas hoje faço uso consciente das redes sociais”, diz o carioca Celso Fortes, 40 anos, consultor em comunicação de novas mídias. Ele teria tudo para ainda ser um dependente, já que seu trabalho exige o uso intensivo dessas ferramentas, mas garante que não é mais. “Sei de hotéis que dão ao hóspede a opção de deixar todos os eletrônicos em um cofre na recepção para que eles ­realmente descansem durante a estada”, afirma Fortes. No auge do vício, reconhece que teria se beneficiado dessa opção de serviço. “Hoje não, checo o que preciso no iPad e logo desconecto.”

Poucos são como ele. Cair no canto da sereia virtual é fácil e conveniente. “Somos todos humanos e gostamos quando os outros nos dão atenção”, reconhece Andrew Keen, consagrado autor da área que lança seu segundo livro, “Digital Vertigo” (Vertigem Digital, em tradução livre), na segunda quinzena de maio nos Estados Unidos e em agosto no Brasil, pela Editora Zahar. A obra traz uma forte crítica à ingenuidade com que usamos as redes sociais atualmente. “Elas são a cocaína da era digital e estamos todos viciados”, alerta Keen, que admite ser ele próprio um dos dependentes. Não está sozinho. 

 

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