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EM PROCESSO
Série fotográfica de Nino Cais em desenvolvimento para a 30ª Bienal

Programada para inaugurar em 7 de setembro, a 30ª Bienal de São Paulo tem como proposta instaurar constelações de obras e artistas que conversam entre si. “Essa é uma Bienal de vínculos, estamos trabalhando as relações entre os artistas”, afirmou o curador venezuelano Luis Pérez-Oramas ao anunciar os 110 artistas da exposição “A Iminência das Poéticas”. Se o intuito da Bienal é funcionar como plataforma de encontros e organizar os artistas em “grupos constelares”, procuramos nestas páginas de Artes Visuais localizar algumas analogias e dissonâncias entre os artistas convidados. Nino Cais e Sofia Borges não estão necessariamente no mesmo grupo constelar definido pela curadoria, mas são artistas cujos trabalhos se tocam delicadamente em um mesmo ponto de partida: o uso do corpo em situações ao mesmo tempo familiares e estranhas e o uso da colagem – manual no caso de Cais e digital no caso de Sofia.

“Meu corpo é uma espécie de ímã que atrai os objetos do seu entorno, tomando posse deles”, afirma Cais, referindo-se à coleção de objetos das mais variadas procedências, organizados nas composições fotográficas que ele está concebendo para a Bienal. Um colar mexicano, um tapeware comprado na feira diante de sua casa, um capuz do budismo tibetano, uma pintura bucólica de casinha, uma saia kilt escocesa. Ao extinguir os limites e as distinções entre objetos tão díspares, Cais se comporta como um sociólogo da cultura, um viajante sem sair de casa, que desenha no próprio corpo o mapa de um mundo pessoal. É nesse corpo globalizado, que se oferece como uma espécie de totem, constelação cultural, ou veículo de múltiplas conexões, que o artista dá combustão ao seu trabalho.

O tratamento quase etnográfico que é conferido a essas imagens já estava presente nos trabalhos que Cais desenvolve há 12 anos em colagem, escultura e fotografia. Representado com a cabeça sempre encoberta pelas mais variadas categorias de máscaras e capacetes, o artista indaga: “Eu me pergunto se essas imagens são ou não autorretratos.” A obstrução da face – o que às vezes ocorre de forma claustrofóbica, remetendo aos anos em que estudava para ser seminarista – poderia significar, à primeira vista, uma obstrução da identidade. Mas ele discorda: “A identidade não é algo próprio da face, é algo que se transfere a todos os objetos que nos cercam.” Na minuciosa etnografia feita em seu quintal, Cais expõe, afinal, uma identidade muito própria. “Estou interessado em criar alegorias, quase fantasias de Carnaval, a partir de coisas que combinam ou não.”

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CINEMA
Fotografia da série “Retratos e Autorretratos”,
realizada por Sofia Borges em 2007, recria ambientação da cinematografia de mistério

A encenação e a representação de papéis são também a estratégia de Sofia Borges, que, aos 28 anos, está entre as mais jovens a expor nesta 30ª Bienal. A (con)fusão entre a fotógrafa e a personagem é uma questão de seu trabalho desde a série “Retratos e Autorretratos”, de 2007, ambientada em sua vida doméstica. Enfocadas na cozinha, no escritório ou no quarto, sob iluminação dramática, as personagens de Sofia parecem assustadas e catatônicas. O clima de mistério se consolidaria logo depois na série fotográfica “Sedimentos”, de 2009, em que a artista se dedica à recriação de ambientes cinematográficos, inspirados nas composições cênicas do diretor americano David Lynch.

A ideia de que a fotografia é construção do mundo e de que sua função de registro da realidade é, portanto, ilusória permaneceria nas obras mais recentes da jovem artista, como “Estudo da Paisagem” (2011), em que ela fotografou os dioramas do Museu de História Natural de Nova York, e sobre a qual continua trabalhando no momento em viagem à Europa.

Paisagem e representação deverão estar, portanto, entre os temas de abordagem de Nino Cais e Sofia Borges na 30ª Bienal. Estimulado pela promessa de Pérez-Oramas de que “cada artista será representado por uma constelação de obras”, Cais está concebendo uma exposição que irá aproximar vários de seus objetos e contemplar diversas fases de sua trajetória. Elas estarão reunidas, como num palco, em torno da ideia do “Espetáculo”.