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PREDADOR
O elefante morto por Juan Carlos na semana passada (à esq.)
e búfalos caçados pelo rei: reputação manchada

O rei Juan Carlos de Bourbon da Espanha sempre gozou de prestígio em seu país e fora dele. Apesar de ter sido pupilo do general Francisco Franco, que o incumbiu de perpetuar o famigerado Movimento Nacionalista, o monarca foi um dos artífices da redemocratização espanhola e um defensor incansável do Estado de direito. Ao contrário de outros nobres europeus – especialmente os britânicos –, que passaram os últimos anos colecionando escândalos, Juan Carlos consolidou uma reputação de seriedade e discrição, o que o manteve relativamente livre do escrutínio público. Na semana passada, essa imagem sofreu um grave revés. Tudo se deve a uma viagem a Botsuana, na África, cujo saldo foi um elefante abatido, um quadril fraturado e um país inteiro decepcionado.

A notícia de que Juan Carlos estava na África para caçar elefantes se tornou pública no sábado 14, coincidentemente o dia em que se celebra a instauração da Segunda República, movimento que resultou no exílio de Afonso III, avô de Juan Carlos, e na instauração de um governo democrático. Não fosse um tropeção do rei, acidente que exigiu uma intervenção cirúrgica, e os espanhóis provavelmente não saberiam do safári. Assim que a aventura se tornou conhecida, uma onda de indignação varreu a Espanha. Afora o aspecto moral – matar elefantes, mesmo em uma reserva que autoriza tal prática, não é exatamente louvável –, os espanhóis ficaram irritados com a gastança no momento em que o país enfrenta uma das piores crises econômicas de sua história. Estima-se que a diversão tenha custado 40 mil euros, o que não é nenhuma fortuna, mas demonstraria a falta de sensibilidade de Juan Carlos diante de uma população que está sendo convocada para realizar sacrifícios financeiros.

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A revelação de que a viagem teria sido paga pelo empresário saudita Mohamed Eyad Kayali, espécie de representante dos interesses de seu país na Espanha, só reforçou as críticas. “É de um mau gosto atroz e uma injuriosa prova da desigualdade entre os privilegiados e os necessitados”, diz Ramón Cotarelo, professor de teoria política da Universidade Nacional de Educação a Distância, em Madri. Para José Luis Ledesma, titular da cadeira de história contemporânea da Universidade de Zaragoza, a viagem é uma traição. “Caçar animais protegidos quando a Espanha está à beira do colapso financeiro é um balde de água fria no prestígio da monarquia.” Autoridades do Partido Popular, atualmente no governo, também expressaram sua consternação e entre os políticos espanhóis houve até quem falasse em abdicação do trono. O partido Esquerda Unida anunciou que pressionará o Congresso para que se convoque um referendo a fim de discutir a continuação ou não da monarquia.

Para tornar o quadro ainda mais dramático, Juan Carlos é presidente honorário, na Espanha, da organização conservacionista WWF. Como era de se esperar, a caçada feriu a imagem da organização. Depois de uma mobilização na internet que reuniu mais de 60 mil assinaturas, a ONG mandou uma carta ao Palácio da Zarzuela afirmando que o incidente representa “um grande prejuízo para a credibilidade da WWF” e assim numerosos sócios estão pedindo seu afastamento. Diante da forte reação ao caso, Juan Carlos precisou quebrar um tabu histórico. Pela primeira vez em mais de seis séculos de monarquia espanhola, um rei se desculpou publicamente. Na quarta-feira 18, ao deixar o hospital, Juan Carlos recitou duas frases que provavelmente marcarão os Bourbon para sempre. “Sinto muito”, disse o rei. “Equivoquei-me e não voltará a acontecer.” A desculpa não significa o fim da tempestade. Como resume o professor Ledesma, o próprio fato de que o rei se veja obrigado a tal gesto abre um precedente perigoso para a Casa Real. “Subitamente, o monarca se torna visivelmente real, corpóreo, humano e, portanto, sujeito à crítica como todos os demais.” 

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