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DUELO
Débora Falabella e Adriana Esteves (ao fundo): vingança

É hora da refeição e a filha pergunta à mãe: o que eu vou comer? A resposta vem pior que um tapa: coma a sua língua, assim você para de falar na minha cabeça. Esse diálogo nada amistoso foi dito em um capítulo recente de “Avenida Brasil”, a novela das nove da noite da Rede Globo, que tem colocado os espectadores estupefatos desde a sua estreia no fim de março. A dona de temperamento tão estúpido é Carminha, vilã vivida por Adriana Esteves, uma megera como não se via há anos na televisão brasileira. A atriz anda tão preocupada com o alto grau de perversidade da personagem que não deixa seu filho menor, de 5 anos, vê-la em cena – tem medo de traumatizá-lo. Nem seria aconselhável, já que a violência psicológica da trama criada pelo novelista João Emanuel Carneiro tem classificação indicativa para maiores de 12 anos. O que se discute aqui não é a existência de um conteúdo impróprio, é a mão pesada no tratamento da vida comum das pessoas. Em nome da audiência e da renovação de um formato em decadência, adota-se um vale-tudo de ideias equivocadas, entregue diariamente em bela embalagem folhetinesca.

Carminha, protagonista da história ao lado da heroína Nina, interpretada por Débora Falabella, tem uma ficha das piores. Mulher de Tufão (Murilo Benício), um enriquecido ex-jogador de futebol, ela galgou o posto de perua do subúrbio eliminando todos os que cruzaram a sua vida: casou-se com um viúvo para aplicar-lhe um golpe (ele acaba morrendo atropelado), despachou sua enteada ainda criança para um lixão, enredou com sedução e falsidade o craque responsável pela morte do seu marido e ainda levou para dentro de casa o amante, com quem continua a manter relações.

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FALSO AMOR
Adriana Esteves e Murilo Benício formam um casal estranho:
ela o engana o tempo todo e ele a acha uma doçura

Ela não está sozinha no leque de iniquidades. O tom é o mesmo no aterro sanitário, onde um homem explora crianças, e ganha cores de cinismo até nas partes cômicas. Mesmo aqui, todos querem passar a perna no outro, seja a periguete que chantageia o patrão, seja o machão que se vangloria de ter três mulheres.

O pior é que essas personagens de moral duvidosa estão sendo premiadas em suas mazelas. Carminha, por exemplo, sempre agradece a Deus toda vez que seus planos pérfidos dão resultado, como agora, ao roubar a verba da “Creche do Tufão”.

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Essa apologia do cinismo incomoda. Segundo a psicóloga e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Maria Luiza Bustamante o recado acaba sendo esse: “Opte pela falcatrua e pelo mal que você vai se dar bem.” No arrastão de amoralidade de “Avenida Brasil”, até a heroína balança no caráter. Após assistir, ainda criança, o pai ser trapaceado e morto, ver o seu patrimônio roubado e ser jogada no lixo, a menina Rita volta adulta como Nina e passa a agir de maneira tão condenável quanto a algoz. “Ela não é a mocinha clássica que busca fazer justiça. É egoísta, quer vingar a qualquer preço e não mede esforços para isso”, afirma Nilson Xavier, autor do livro “O Almanaque da Telenovela Brasileira”. Ao retratar o universo da emergente classe C (a família de Tufão mora em uma mansão no subúrbio), “Avenida Brasil” derrapa ao confundir o anseio pelo consumo, resultante de avanços econômicos, com um alpinismo social de métodos atrozes. E amplia essa lógica, com matizes variados, a todo o enredo. “Não é questão de ser conservadora. É que, em nome de uma certa liberalidade, a coisa fica frouxa”, afirma a psicanalista e professora da PUC-Rio Junia Vilhena.  

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