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O castelo do mago Saruman, uma edificação encarapitada no alto de uma montanha de pedra que domina o lúgubre vale de Isengard, o colega de magia, Gandalf, fala com ar sério: “O Mal está de volta.” Como prova, ele descreve a aparição dos Nove, um grupo de cavaleiros que sempre surge sob a forma de espectros. Com a mesma seriedade, Saruman o encara e diz: “Meu caro, você anda exagerando com aquelas ervas dos hobbits.” Por causa de trechos semelhantes a este, a obra do escritor sul-africano J. R. R. Tolkien causou furor na segunda metade dos anos 60, época em que qualquer busca lisérgica era motivo de curiosidade. Hoje, os tempos são outros. Mas a possibilidade de sucesso pode se repetir com a aguardada adaptação de seu livro para o filme O senhor dos anéis: a sociedade do anel (Lord of the rings: the fellowship of the rings, Nova Zelândia/Estados Unidos, 2001), que tem estréia nacional na terça-feira 1º, rebocando uma produção de mais de US$ 300 milhões assinada pelo neozelandês Peter Jackson.

A trilogia literária O senhor dos anéis é uma saga inspirada no romance O hobbit, de 1937 – também de Tolkien –, que três décadas depois caiu como uma luva para os hippies e simpatizantes identificados com o ser do título, na verdade uma sociedade de seres gentis e amantes da natureza, cada qual com pouco mais de um metro de altura, pés peludos e apaixonados por festas, ervas e cogumelos. Depois deste primeiro sucesso, John Ronald Reuel Tolkien – um sisudo professor de linguística da tradicional universidade inglesa de Oxford – escreveu a trilogia lançada entre 1954 e 1956, na qual os hobbits, liderados por Frodo Bolseiro, se unem a elfos e humanos para dar fim a um anel maligno e poderosíssimo que só poderia ser destruído nas Fendas da Perdição, além da Terra-média. Na empreitada, enfrentam batalhas contra os orcs, seres horríveis e terríveis no seu engajamento nas fileiras do Mal. Tal obsessão por detalhes, aspectos linguísticos e geográficos fez com que a obra passasse a ser exageradamente comparada à Ilíada, de Homero, ou aos Contos de Canterbury, de Geoffrey Chaucer. Para se ter uma idéia, quando Tol kien morreu em 1973 seu nome enfileirava-se nas livrarias ao lado de Herman Hesse, Aldous Huxley, Jack Kerouac ou Krishnamurti e seus personagens e países imaginários apareciam nas letras de grupos de rock, como Led Zeppelin.

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Pouco tempo depois, O senhor dos anéis chegaria aos cinemas em 1978, sob a forma de desenho animado dirigido por Ralph Bakshi, até então célebre pela transposição para a tela de Fritz the cat, inspirado nos quadrinhos de um dos papas da contracultura, Robert Crumb. O diretor Jackson, hoje com 40 anos, assistiu ao desenho e ficou fascinado. O senhor dos anéis tornou-se, assim, o sonho de sua vida. Mas só 20 anos mais tarde ele viria a realizá-lo com o início das filmagens que duraram 15 meses e exigiram a presença de 26 mil figurantes. No quesito produção de cena foram usadas 900 armaduras, duas mil armas e 1.600 pares de pés peludinhos e orelhas pontudas. Jackson também selecionou um elenco de ponta com atores como Ian McKellen (Gandalf), Chistopher Lee (Saruman) e Elijah Wood no papel de Frodo Bolseiro, o herói dono do tal anel – na ala feminina, Liv Tyler e Cate Blanchett são quem emprestam beleza e charme a duas magníficas elfas.

Nova Zelândia – Peter Jackson teve de rebolar para concretizar seu projeto, transformado em três filmes rodados simultaneamente. Como cada episódio custou quase US$ 100 milhões, a saída foi distribuir a fita apenas na América do Norte e licenciá-la no restante do mundo. Filmado no interior da Nova Zelândia, O senhor dos anéis contou com paisagens perfeitas para construção das aldeias hobbits, aglomerados de casas que harmonizam natureza e engenharia. Mas um dos trunfos foi a consultoria dada por Alan Lee e John Howe, há tempos os desenhistas oficiais de qualquer produto relacionado à obra de Tolkien. Os palpites da dupla acabaram dando um ar de familiaridade às imagens fantasiadas pelos fãs, proporcionando, assim, um espetáculo primoroso para o público em geral.

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O senhor dos papéis

Desde seu lançamento, a obra de Tolkien vendeu cerca de 100 milhões de exemplares em todo o mundo. No Brasil, beira os 200 mil, segundo a editora Martins Fontes, que detém os direitos sobre os livros do escritor. A nova edição, que teve uma tradução primorosa assinada por Lenita Esteves e Almiro Pisetta, recebeu revisão técnica e consultoria de Ronald Eduard Kyrmse, membro da Tolkien Society, que acaba de traduzir Contos inacabados, livro menos conhecido de Tolkien. Os romances podem ser encontrados em volumes separados – A sociedade do anel, As duas torres e O retorno do rei – ou num só volume com as três histórias, este em edição de capa dura, borda dourada e tiragem de dez mil exemplares numerados. Já prevendo o sucesso do filme, vários sites se multiplicam na internet – do oficial www.thelordoftherings.net, passando por www.natoca.com.br, que organiza piqueniques e eventos nos quais os participantes vão vestidos a caráter, a centenas de outros, como o www.valinor.com.br, em que, curiosamente, o leitor pode descobrir o equivalente a seu nome na linguagem hobbit.


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