chamada.jpg
PASSE LIVRE
O poderoso Lucky Luciano (acima) e um grupo de
mafiosos: liberdade até para usar farda do exército

img2.jpg

img1.jpg

No auge da Segunda Guerra Mundial, quando os nova-iorquinos temiam ver o Central Park invadido por tropas nazistas, o chefe de polícia da cidade pediu ajuda a quem menos se esperava: a máfia italiana. Ele não suspeitava, no entanto, que o bombardeio do navio Normandie, em 1942 (um dos sinais do avanço do nazismo), havia sido provocado justamente pela máfia, a mando de seu líder, o siciliano Lucky Luciano – à época cumprindo pena, mas comandando de dentro da cadeia a sua organização criminosa. Essa história é contada no livro “O Chefão dos Chefões” (Companhia das Letras), do jornalista e cineasta Vito Bruschini, que detalha as armações do gângster para ganhar a confiança do governo americano e, assim, poder reinar livremente no submundo de Nova York. Embora seja um livro de ficção, com muitos personagens inventados, todo o pano de fundo é real e se inicia na Sicília, terra de onde saíram os ítalo-americanos que fundariam nos EUA a sua “grande família”, a Cosa Nostra. O painel da formação da máfia começa quatro décadas antes do afundamento do Normandie, quando a migração de sicilianos empobrecidos para a América se intensifica e chega ao extremo nas mesmas proporções em que o fascismo avançava no sul do país. Fugitivos políticos ou miseráveis que não concordavam com o domínio feudal da região natal chegavam ao porto de Ellis Island e eram imediatamente ciceroneados por seus conterrâneos ou pelos irlandeses que nutriam o mesmo gosto pela vida fora da lei.

Bruschini, que tem origem siciliana, parte dessa diáspora para descrever com detalhes todo o processo social que desembocaria no surgimento do crime organizado em Manhattan: a vida dura na Itália, a ascensão do fascismo, a fuga para o hemisfério sul, a adaptação à nova rotina e o florescimento da Cosa Nostra. O clímax desse movimento acontece justamente com a trégua entre a máfia e o governo dos EUA, quando os ítalo-americanos fizeram seu “esforço de guerra” ao ajudar as tropas aliadas a conquistarem posições numa região da qual eles nada conheciam. “Ali, junto com uma dúzia de outros jovens de origem siciliana, Saro Ragusa recebeu um treinamento intensivo, em que lhe ensinaram a usar pistolas automáticas e metralhadoras, a montar uma bomba e reconhecer detonadores e pólvoras e, por fim, saltar de para-quedas. Os instrutores informaram ao grupo que eles seriam lançados nas costas sicilianas à noite”, descreve o autor no capítulo sobre a “Operação Husky”.

Ragusa era da gangue de Ferdinando Licata, o personagem central – e fictício – da trama. Dono de vastas terras em seu país, ele chega fugido aos EUA em 1939 para comandar ao lado de Luciano o mercado negro entre as duas nações. Bruschini conta, inclusive, como muitos desses trambiques foram feitos por mafiosos vestidos com o uniforme do exército americano – do desvio de sacas de trigo à emissão de identidades falsas. Mostra como essas grandes dinastias patrícias às quais Licato pertencia se reuniram para apoiar ou derrubar o fascismo. Munido de vasta pesquisa, ele adentra o submundo e descreve a maioria dos golpes aplicados pelos gângsteres na Big Apple. No capítulo “Cocaína no Almoço”, vê-se como o crime organizado, dono de um império construído à base do contrabando de bebidas durante a Lei Seca, foi obrigado a trocá-lo pelo tráfico de cocaína e heroína. “Desde os anos 1920, Luciano tinha montado uma complexa estrutura organizacional, que importava grandes lotes de drogas dos mercados produtores e os distribuía nos bairros da metrópole por meio das empresas farmacêuticas estrangeiras, entre elas heroína e morfina”, escreve o autor.  

img.jpg