FALTA TUDO Fábricas deixaram comércio sem produtos de linha branca, como geladeiras, e consumidores de carros populares estão na fila à espera de modelos

Sempre que há uma promoção ou um incentivo fiscal, os brasileiros invadem as lojas atraídos pelos descontos. Foi exatamente o que aconteceu quando o governo anunciou a redução do IPI para automóveis zero-quilômetro de baixa cilindrada e, depois, estendeu a medida aos eletrodomésticos da linha branca. Além disso, com o restabelecimento das linhas de crédito, os bancos voltaram a alongar as prestações e os juros começaram a cair. Como resultado, deu-se a retomada do consumo.

Mas, por paradoxal que pareça, o crescimento repentino das vendas tornouse um problema devido à imprevidência da indústria. Começam a faltar geladeiras e máquinas de lavar e as montadoras só aceitam encomendas de carros 1.0 para julho, quando está previsto o fim da atual rodada de benefício tributário. "A indústria não estava preparada para o aumento das vendas", reconhece o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge.

O governo fez a sua parte: abriu mão da arrecadação, que caiu 6,06% em relação a maio de 2008, na pior queda desde 2003. As indústrias, de início, comemoraram o efeito das medidas. Mas, apesar da redução dos impostos, não abriram mão da margem de lucro. No caso dos automóveis, as montadoras, por meio de seus revendedores, ajudaram a jogar o preço dos usados no chão. Mesmo na troca de carros com apenas um ano de uso por um zero-quilômetro, o cliente é obrigado a arcar com deságios superiores a 30%. No caso dos eletrodomésticos, a falta de produtos traz a ameaça de reajustes. "Está mais difícil manter o estoque, porque começaram a faltar geladeira e máquina de lavar, por isso não conseguimos negociar o preço", afirma a empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza. Segundo Patricio Mendizábal, presidente da Mabe, dona das marcas GE e Dako, não faltam produtos, mas todos os varejistas estão fazendo pedidos na mesma hora.

Os números mostram com clareza a retomada dos negócios. As vendas de eletrodomésticos da linha branca cresceram 30% com a redução do IPI para geladeiras e máquinas de lavar e a isenção para fogões e tanquinhos – a renúncia fiscal foi de R$ 177 milhões. Nas lojas, os preços das geladeiras, por exemplo, caíram em média R$ 100. "As pessoas chegam aqui achando que vão encontrar 50% de desconto, mas a promoção não é da loja", explica um vendedor das Casas Bahia em Brasília.

A assessoria das Casas Bahia diz que há estoques de todos os produtos para 30 dias e que a redução dos preços foi proporcional ao abatimento do IPI.

PROMOÇÃO Para Daniela e Brener, preços poderiam estar mais baixos

Nem mais nem menos. Ricardo Eletro, Wal-Mart e Ponto Frio também garantem ter produtos em estoque e descartam outras promoções, além das patrocinadas pelo Leão. O casal de servidores públicos federais Brener Cintra, 31 anos, e Daniela Cintra, 28, não se conforma com a falta de descontos maiores. Eles resolveram mobiliar uma quitinete aproveitando a redução dos preços, mas concluíram que as geladeiras não estão tão baratas quanto imaginavam. "Incentivar as vendas com descontos maiores deveria ser uma iniciativa das empresas, não só do governo", afirma Brener. "O comércio tem que dar sua contribuição."

A venda de automóveis também subiu 8,54% na primeira quinzena de junho, comparada ao mesmo período do ano passado. Desde dezembro, com o anúncio da redução do IPI, o setor automotivo entrou em recuperação. De janeiro a maio, o número de licenciamentos foi quase idêntico ao dos primeiros cinco meses de 2008, quando o mercado estava bastante aquecido. Quem paga pelo reaquecimento é o consumidor, que se vê obrigado a engolir uma desvalorização muito grande. Por exemplo, um Citroën Xsara Picasso GLX comprado por R$ 58,9 mil em 2008 é avaliado hoje no máximo por R$ 34 mil nas concessionárias da marca francesa, sob o argumento de que o preço do modelo zero caiu para R$ 54 mil. "As montadoras sempre querem ganhar. É a lei da oferta e da procura", diz Paulo Cardamone, diretor para a América do Sul da consultoria global CSM Worldwide.

EXPLOSÃO DE VENDAS
S ão vários os indicadores que mostram a melhora na economia. Mas a oferta dos produtos não acompanhou o aumento da demanda

Último setor a receber os incentivos da redução do IPI, a construção civil comemora aumento de 25% nas vendas, com acréscimo de 4,5% do faturamento. "Começamos o ano com queda de 12%, mas poderemos fechar 2009 com crescimento total de 5% sobre 2008", prevê Cláudio Conz, presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção, que representa 138 mil lojas de material de construção no País. Diante disso, o coordenador-geral de Estudos, Previsão e Análise da Receita Federal, Marcelo Lettieri, avalia que as desonerações já tiveram seu papel, com recuperação razoável das vendas. Mas constata que o reflexo em outros tributos, devido ao aumento das vendas, não compensou as perdas de arrecadação. Ou seja, se a indústria errou ao não prever os efeitos do aumento, o governo também falhou ao calcular a queda de sua receita.

Para compensar a redução do IPI sobre veículos, eletrodomésticos e materiais de construção e a queda da atividade econômica no País, o governo começa a rever suas despesas e se reúne esta semana para discutir cortes no Orçamento. "Mesmo sabendo que íamos ter queda da arrecadação, a verdade é que ficou muito abaixo do que esperávamos", admitiu o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

"Estamos próximo do nosso limite." O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tenta convencer o presidente Lula a não prorrogar os benefícios para automóveis, que deveriam terminar no final do mês, e também o incentivo aos eletrodomésticos, com prazo até 14 de julho. Mas Lula, que tem sua origem no ABC paulista, teme que a indústria automobilística perca o fôlego e está pressionando a equipe econômica para manter o abatimento do IPI até que a crise financeira internacional seja superada. Mantega recuou e agora diz que a prioridade é assegurar um bom desempenho da indústria. "A nossa primeira preocupação é com o aquecimento da economia", explica. "Depois vem o problema fiscal. Mas as contas públicas continuam equilibradas."