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LIXO
Sucata e fios são obra-prima para o trabalho de
arte digital de Fred Paulino, do coletivo Gambiologia

Qualquer um pode ser inventor? Para o cientista Tony McCaffrey, da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, a resposta a essa pergunta é um sonoro “sim!”. Basta, para isso, que se aprenda a usar a criatividade, do mesmo modo como se aprende a ler ou a calcular. O segredo, defende o pesquisador, está em duvidar da função mais evidente dos objetos e tentar enxergar as partes que os compõem (e as possíveis utilidades desses pedaços). Para chegar a essa conclusão, McCaffrey analisou mais de mil inventos e, a partir deles, criou uma espécie de treino de criatividade. A proposta chamou a atenção até da agência americana de fomento à ciência, a National Science Foundation, que disponibilizou US$ 170 mil para o cientista desenvolver um software com o método. O programa para computadores tem como primeiro alvo os engenheiros, mas já há um segundo projeto voltado para redatores de comédia.

McCaffrey quer desconstruir a ideia de que invenções são achados geniais precedidos por um momento “eureka” – o que, para ele, pode ser aplicado apenas a uma minoria de inventos. “Na maior parte das vezes, não há esse momento. Em todas as invenções, porém, a pessoa percebe uma característica obscura, que é algo que está ali, mas que não percebemos porque estamos acostumados a olhar para o objeto já limitando sua funcionalidade”, disse McCaffrey à ISTOÉ. E é essa a base de seu método: ensinar às pessoas a enxergar essa “característica obscura”.

Quem já inventou algo sabe que o segredo está mesmo no olhar desconfiado sobre a utilidade das coisas. O escorredor de arroz, utensílio tão comum na cozinha dos brasileiros, só surgiu em 1958, depois que a dentista Beatriz Zorowich, 80 anos, começou a contemplar com outros olhos a bacia usada por sua empregada para escorrer o arroz. O problema era que durante a lavagem sempre caíam muitos grãos que entupiam a pia. Um dia, Beatriz pensou: e se tivesse alguns furos na lateral da bacia para escoar a água? “Então eu e meu marido fizemos o protótipo em papel-alumínio, em casa mesmo”, diz Beatriz. Estava criado o utensílio de cozinha – composto por duas bacias acopladas, uma com furos, outra sem.

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PERCEPÇÃO
Incomodada com os problemas domésticos, Beatriz
tanto matutou que inventou o escorredor de arroz

Esse tipo de percepção demonstrado por Beatriz, diz McCaffrey, é passível de ser aprendido. “Tem muito ainda a ser inventado. Do mesmo modo que todo mundo aprende a ler e a fazer contas, as pessoas precisam aprender a inventar”, afirma o engenheiro Hani Camille Yehia, coordenador da Inova, incubadora de projetos da Universidade Federal de Minas Gerais. McCaffrey e seu software pretendem ser esse beabá do inventor. Para provar que está no caminho certo, o cientista aplicou o método em 14 estudantes que, em seguida, resolveram alguns problemas envolvendo a capacidade criativa. Quem usou a metodologia do cientista teve rendimento quase 70% superior ao grupo controle. O treino dado a eles, e que é a base do software, é simples. Consiste em ensinar as pessoas a enxergar os objetos observando as partes que os compõem, a forma, o material do qual são feitos e o tamanho – e não apenas sua utilidade.

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Lógica semelhante é aplicada pelo coletivo Gambiologia, de Belo Horizonte, em seus trabalhos de arte digital. Na foto que ilustra a matéria, Fred Paulino, cientista da computação e um dos integrantes do grupo, usa a “armadura gambiológica”, uma vestimenta construída com partes de computador, botões, adesivos, eletrônicos e fios. Outra criação que o grupo investe, essa mais voltada para o mercado de design, é a transformação de latas antigas em luminárias. “Nosso método de criação é muito espontâneo”, explica Fred Paulino. “A gente vai tentando e testando para ver o que dá certo.” A partir da experiência no coletivo, os integrantes têm ministrado oficinas, nas quais ensinam jovens e adultos a criar a partir de um punhado de lixo eletrônico.

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