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O ABANDONO DA NAU
O vice-presidente, Michel Temer, endossou manifesto do PMDB
e mostrou estar mais sensível às demandas partidárias

Assim como no mundo corporativo, na hierarquia militar ou no simples comando de um navio, no governo, o cargo de vice-presidente implica compromissos de lealdade, fidelidade, parceria. Dividindo um poder republicano, a primeira obrigação de vice-presidente é com o governo que integra e não com a agremiação política que o levou até o cargo. Na última semana, parece que o vice-presidente Michel Temer se esqueceu desses princípios. Em lugar de se esforçar para que a administração Dilma Rousseff navegue em águas tranquilas, ele colocou um pé fora da nau governista, deixando-a à própria sorte. Temer exerceu com mais empenho a função de presidente licenciado do PMDB do que a missão constitucional que lhe foi conferida. A opção preferencial de Temer pelas demandas do PMDB ficou clara na terça-feira 6, quando um grupo de peemedebistas montou um teatro para entregar ao vice de Dilma um manifesto pedindo o que o partido mais preza: poder político e dinheiro para suas bases. Na ocasião, Temer ocupava o posto de presidente da República em exercício. Fez cara de surpresa e disse que levaria o recado de seu partido à presidenta. Puro jogo de cena: o vice havia participado de pelo menos duas reuniões para discutir o teor do manifesto e partiu dele a orientação de um texto leve, que não fizesse ameaças. Temer, portanto, nesse caso, não esteve a serviço do Palácio do Planalto, mas, sim, da própria legenda.

O jogo dúbio resultou em duas derrotas surpreendentes para o governo. Na quarta-feira 7, o Planalto teve de engolir a rejeição do Senado à indicação de Bernardo Figueiredo para a diretoria-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o que deixou a presidenta Dilma irritadíssima. No mesmo dia, por prudência, foi adiada a votação do Código Florestal, pois houve receio de que a rebelião peemedebista contaminasse o texto. Diante do impasse, a presidenta decidiu abrir uma nova fase de diálogo com os políticos. Começou as conversas pelo próprio Temer. Numa audiência de uma hora e meia, pediu a seu vice que a ajude a organizar sua base de apoio, o que deveria ser uma obrigação e não um favor. No Planalto, os ministros mais próximos de Dilma acreditam que Temer voltará a bordo do navio governista. Na reunião, Dilma recebeu das mãos de Temer o manifesto assinado por 70% dos deputados do PMDB e começou a estudar a abertura do cofre. Dilma sabe que, dependendo da boa vontade de seu vice, a tensão pode acabar logo ou permanecer por semanas a fio. “A relação com o Parlamento requer que não se tenha cabeça quente. É um momento tenso”, resumiu o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho.

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DEMANDAS POR CARGOS
Renan Calheiros cobra de Dilma a manutenção,
sob sua batuta, da presidência da Transpetro

Um dia antes do encontro com Dilma, Michel Temer instruiu seus correligionários a listar para o Palácio do Planalto quais eram as causas da crise. “Ele disse que no encontro do partido a gente devia deixar claro o que queríamos com o governo”, relatou o deputado Osmar Terra (PMDB-RS). Entre as principais reivindicações dos peemedebistas estão a retomada do controle da Funasa, a manutenção da presidência da Transpetro, hoje controlada pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), a nomeação de 50 nomes do partido para estatais e uma maior autonomia para seus ministros. Mas Temer foi além nas suas orientações. Disse que também se preocupava com o porte do PT na disputa pelas prefeituras e compartilhava da preocupação de que os petistas possam usar a máquina pública para abocanhar prefeituras. Uma ofensiva que poderia colocar em risco a hegemonia municipalista do PMDB, que hoje comanda 1.180 prefeituras. Diante disso, Temer liberou o PMDB para se aliar com quem bem entender nas eleições municipais, sem o alinhamento automático com o PT. Em pelo menos seis capitais a guerra entre os dois partidos é certa.

Temer está preocupado com o futuro do PMDB e por isso disse aos colegas de partido que eles podem se rebelar e pressionar o governo. Ele acredita que ceder espaço para os petistas seria o mesmo que assinar o atestado de óbito, diminuindo a importância de sua agremiação nas eleições presidenciais de 2014. Apesar de gigante, o PMDB nunca conseguiu construir uma candidatura própria, mantendo-se sempre em segundo plano no poder. “Chegamos ao consenso de que agora não precisamos mais colher apenas o ônus de ser governo. Podemos pensar de forma independente e trabalhar pelo nosso partido”, resume Danilo Fortes (PMDB-CE).

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Por irônico que pareça, o empenho do vice ainda é considerado insuficiente por caciques peemedebistas mais apegados a cargos e recursos públicos. O entendimento deles é de que Temer está tendo uma reação atrasada à ofensiva do PT desde o início do governo Dilma. Na Câmara, deputados acreditam que o clima tenso do partido com o Planalto chegou ao estágio atual porque o vice vacilava em levar as reivindicações da legenda à presidenta. Alguns líderes partidários o acusam, por exemplo, de ter assistido, paralisado, ao corte de R$55 bilhões no orçamento. A tesourada atingiu em cheio as emendas. O vice também não teria transmitido as reclamações da falta de autonomia dos ministros indicados por seu partido. O PMDB reclama que Dilma cortou os poderes de quem comanda as pastas. “Alguns membros do partido acreditam que o protagonismo do nosso vice poderia ter acontecido antes”, avalia o deputado Marçal Filho (PMDB-MS). Resta saber se essa mudança de status, com o vice-presidente tomando a linha de frente das questões do PMDB, não o colocará em risco de perder o poder de interlocução que ainda mantém junto à presidenta Dilma.

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