A CHINA HOJE Ma Jian revê a história de seu país

Não poderia haver analogia mais dramática. No recém-lançado romance "Pequim em Coma" (Editora Record), do autor chinês Ma Jian (convidado da Feira Literária Internacional de Paraty), o protagonista e narrador da história é um jovem ferido durante o massacre da Praça da Paz Celestial em junho de 1989 e que está mergulhado num coma profundo. O seu nome é Dai Wei e ele pode ouvir tudo ao seu redor, mas não consegue ver nem demonstrar emoção ou reação. Está aprisionado em seu próprio corpo, assim como o seu país, na visão do autor, está atado aos seus conflitos internos.

O personagem simboliza a própria China atual, quando se completam 20 anos do massacre promovido pelo Exército contra os estudantes que se manifestavam exigindo do regime comunista a democratização do país. Por meio de seu principal personagem, o narrador revisita a sua infância durante a Revolução Cultural de Mao Tsé-tung, o trágico conflito e a negociação política dos estudantes que antecederam o massacre. Sem esquecer a nova realidade da China com seus impasses e FOTOS: VINCENT YU/SFTcontradições.

 

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Em sua adolescência, Dai Wei é assombrado pela história da jovem Liu Ping, 16 anos, que foi morta, esquartejada e comida pelos moradores de sua província por ordem do governo revolucionário que pregava: "Se você não come o inimigo, você é o inimigo." Outras histórias de horror emergem do passado recente da China, quando o protagonista relembra a sua vida. Dai Wei começou cedo na dissidência. Ele nasceu numa família marginalizada pelo fato de o pai ter sido condenado a 22 anos de trabalhos forçados por suspeita de conspiração contra o governo.

Numa passagem, conta para a namorada as atrocidades cometidas em nome do regime comunista, como o caso de um tio que é obrigado a queimar o próprio pai vivo. Depois descreve uma aula do seu curso de biologia em que os alunos dissecam o organismo de um prisioneiro que fora executado em comemoração ao aniversário da revolução.

Durante a dissecação, fica-se sabendo que o condenado fora mantido vivo enquanto os seus órgãos eram transplantados para o corpo de um comerciante de Hong Kong. Um dos estudantes diz: "É desumano remover órgãos de pessoas vivas." Isso ocorreu sob o tirânico regime de Mao Tsé-tung. Nos anos 90, no entanto, na China capitalista, Dai Wei irá presenciar a tentativa desesperada de sua mãe para conseguir dinheiro. Primeiro, ela passa a vender a urina do filho, afirmando ser milagrosa, e depois será a vez de Dai Wei ser dissecado vivo pela própria mãe: ela irá comercializar o seu rim com um rico empresário chinês. E o ciclo se fecha.


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