Quem passa um tempo com Lucas Ohara, nove anos, pode ficar com a impressão de que o menino é às vezes um pouco mais agitado do que o normal ou mais desligado do que a maioria das crianças de sua idade. As duas coisas são verdadeiras. Lucas é autista. Isso significa que ele é portador de um transtorno do desenvolvimento que provoca alterações no comportamento, na interação social e no uso da imaginação. Crianças como ele, em maior ou menor grau, podem passar horas observando um ventilador girar ou gastar longos minutos batendo os dedos em uma mesa. Também são capazes de saber tudo sobre temas inusitados – o assunto favorito de Lucas, por exemplo, são os dinossauros – e, apesar disso, guardar as informações para si. Nada mais compreensível, segundo a lógica autista. Afinal, eles têm uma imensa dificuldade em se relacionar com os outros e com o mundo. Em alguns momentos, inclusive, é como se nenhum dos dois existisse.

Esse distúrbio tão peculiar atinge cerca de um milhão de pessoas no Brasil. No cinema, filmes como Rain Man (Dustin Hoffman fazia um autista irmão do personagem vivido por Tom Cruise) e Snow cake (Bolo de neve), recém-exibido no Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, e sem data para estrear no Brasil, ajudam a revelar um pouco do mundo dessas pessoas. Snow cake mostra o envolvimento da autista Linda (Sigourney Weaver) com o ex-presidiário Alex, vivido por Alan Rickman.

Mas é da ciência que surgem as melhores respostas. A síndrome foi oficialmente descrita pela medicina há apenas 63 anos e já se avançou muito nas pesquisas. Recentemente, especialistas reunidos no encontro da Associação Americana para o Avanço da Ciência, nos Estados Unidos, apresentaram uma revisão na maneira de avaliar os autistas. O médico Laurent Mottron, pesquisador do tema no hospital canadense Riviere-des-Prairies, defendeu a tese de que, apesar de seus problemas, os autistas são mais inteligentes e habilitados a desempenhar funções do cotidiano do que se imaginava até agora. “A idéia de que grande parte dos pacientes tem retardo mental é equivocada. Apenas alguns deles apresentam esse tipo de limitação. Portanto, os autistas devem ser vistos de outra forma”, esclarece o pesquisador. O cientista acredita que muito da visão turva até hoje preponderante se deve ao fato de que os portadores geralmente não eram submetidos a testes que pudessem avaliar corretamente sua capacidade de raciocínio.

A descoberta feita pelo canadense aponta para uma nova maneira de encarar e tratar as vítimas da síndrome, o que é uma ótima notícia. Os estudos, no entanto, ainda não deram respostas definitivas a uma questão importante: a causa do transtorno. Nessa direção, o que existe de novo é um trabalho divulgado em dezembro por cientistas da Universidade da Carolina do Norte (EUA). Eles mostraram que o tamanho do córtex cerebral (região do cérebro) de crianças autistas é maior do que o de jovens sem o transtorno. É justamente nessa área que se processam os pensamentos e agora se investiga como essa característica influi no surgimento dos sintomas.

Com essas novas descobertas já é possível aprimorar e aumentar as opções de tratamento. “Recorremos à psicoterapia para estimular as habilidades sociais do paciente, à ajuda de profissionais especializados para melhorar o controle motor e a remédios, quando necessário, para atenuar sintomas como a hiperatividade”, explica o psiquiatra infantil Fábio Barbirato, da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Com essas medidas, o que se busca é aumentar a autonomia do autista e proporcionar-lhe um desenvolvimento mais adequado, suficiente para criar as pontes que facilitarão sua convivência com o mundo. Caminho trilhado pelo pequeno Lucas, hoje assistido por especialistas da Associação de Amigos do Autista e estudante da segunda série de uma escola preparada para receber crianças como ele, em São Paulo. “Ele está mais auto-suficiente. Mais preparado para a vida”, diz a mãe, Paula Guimarães. A torcida é para que Lucas e todos os outros autistas fiquem cada vez mais sintonizados com o mundo.

E há motivos para otimismo. Além das descobertas do especialista canadense, a medicina já amealhou um sólido conhecimento das características mais importantes do transtorno. Entre elas estão sinais inconfundíveis, surgidos nos primeiros anos de idade, como agitação excessiva. “É comum também o aparecimento de movimentos repetitivos com as mãos ou com o corpo e a fixação do olhar em algum ponto”, explica o psiquiatra Estevão Vadasz, do Hospital das Clínicas de São Paulo (leia mais sintomas no quadro abaixo).

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Sabe-se também que o distúrbio tem graus variáveis. Há os mais severos, nos quais muitos pacientes não falam e apresentam elevada agitação e agressividade. Existe ainda o autismo de alta funcionalidade. Nesses casos, os portadores aprendem a ler e têm boa capacidade intelectual, mas manifestam limitações motoras e de socialização. E há os autistas diagnosticados com a síndrome de Asperger. São indivíduos que possuem muita dificuldade na relação social, mas não apresentam atraso no desenvolvimento da cognição. Muitos até se destacam pela inteligência em áreas relacionadas à arte e às ciências exatas.


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