chamada.jpg

Ataques de piratas a embarcações de lazer estão se tornando, infelizmente, muito frequentes neste verão. Os ladrões dos mares de hoje dispensam o visual exótico e usam toucas pretas para cobrir cabeça e rosto. Também trocaram as espadas por armas de fogo e se aproximam da lancha ou veleiro em barcos pequenos com potentes motores desligados, movidos a remo – são conhecidos como voadeiros. Mas em um ponto não inovam: costumam amarrar e torturar as vítimas. Um médico paulista que foi assaltado e espancado em Paraty, no sul fluminense, na madrugada de 22 de janeiro, registrou a agressão na polícia local e, assim, abriu caminho para que várias outras pessoas também dissessem que tinham sofrido o mesmo ataque, mas não registraram queixa por receio de vingança. Os bandidos têm agido nas imediações de Paraty e Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e de Ubatuba, Bertioga e Guarujá, no Estado de São Paulo.

Em entrevista à ISTOÉ, o médico paulistano contou que sua família e dois tripulantes da lancha de 61 pés ficaram em poder da quadrilha de piratas por mais de duas horas. “Eu e os dois marinheiros levamos muitos socos. Fiquei com hematomas e um galo na cabeça. Não reagimos. Queriam nos amedrontar. Ameaçaram voltar para nos matar, se procurássemos a polícia”, contou ele, que pediu para não ser identificado. A ação dos bandidos começou às 2h, quando o pai dele, de 79 anos, já estava dormindo numa das cabines. Apesar de terem vasculhado toda a embarcação em busca de pertences, os criminosos atenderam ao apelo de não entrar no compartimento onde estava o idoso, que sofre de problemas cardíacos. As crianças tiveram produtos eletrônicos roubados. “Os ladrões são pessoas que têm traquejo do mar. Sabiam o que estavam procurando. Levaram também o GPS e o motor do nosso bote”, conta a vítima, que relatou a perda de uma arma registrada.

O delegado que investiga o caso, Hermano Augusto Rocha, da delegacia de Paraty, recebeu informações de dois assaltos parecidos antes da noite do último Réveillon e outro em janeiro no entorno da Baía da Ilha Grande, um distrito de Angra dos Reis. As famílias, entretanto, não quiseram prestar queixa formal. “Ainda acredito que sejam casos isolados. Pequenos furtos a embarcações sempre ocorreram por aqui, mas esta é a primeira vez que tomo conhecimento de uma violência desse tipo”, diz o delegado. O guia turístico Denis Barbosa, que faz passeios pelas praias e ilhas de Paraty, conta que frequentadores ficaram apreensivos com a notícia. “Fazemos tours noturnos também e, agora, as pessoas estão temerosas”, afirma Barbosa.

“Eu e os dois marinheiros levamos muitos socos.
Não reagimos. Queriam nos amedrontar”

Vítima de assalto em Paraty (RJ)

O presidente do Conselho de Desenvolvimento Sustentável da Baía da Ilha Grande (Consig), Valdir Siqueira, ressalta que à noite não há nenhum policiamento nas águas da região, mas aguarda o resultado das investigações para cobrar uma mudança no esquema de segurança nas águas de Paraty e Angra. “Está todo mundo querendo entender o que aconteceu para saber que medidas tomar. A única coisa certa é que se navegaram à noite é porque, no mínimo, conhecem a região”, avalia Siqueira. A Capitania dos Portos do Rio de Janeiro informou que tem feito operações na costa do Estado desde novembro do ano passado, mas se isenta de responsabilidade. Diz que não seria de sua atribuição o patrulhamento contra assaltos nos mares e que, por lei, a obrigação se refere ao “exercício da salvaguarda da vida humana, ordenamento do espaço aquaviário e prevenção da agressão à vida marinha”, como disse o comandante da Capitania fluminense, Walter Bombarda. “O assunto segurança pública a Marinha não trata”, complementa.

Em nota, a Polícia Militar do Rio também se isentou. Informou que sua unidade especializada para patrulhar o mar, o Grupamento Aéreo e Marítimo (GAM), “não tem embarcações de porte que permitam o patrulhamento em mar aberto”. Do lado de Paraty, que faz divisa com São Paulo, a situação também está perigosa. Casos de assalto no mar são relatados entre amigos ou em blogs, mas nunca à polícia pelo mesmo motivo, medo de represálias. “Em meados de janeiro, uma lancha foi assaltada perto de Perequê-Mirim de madrugada. À noite, pelo mar, esses piratas fogem com facilidade porque não tem patrulhamento”, conta Jerri Eduardo Morais, pescador de Ubatuba. O jornalista paulistano João Lara Mesquita, 56 anos, foi alvo desse tipo de ataque em 2008, quando o tema não era tão recorrente. Ele estava em Bertioga, litoral paulista, quando três homens armados invadiram seu veleiro, o amarraram e levaram tudo o que era possível. “Essa foi a pior situação que já passei. Mas já assisti a muita violência em todo o litoral brasileiro”, conta o navegador.

O delegado responsável de Ubatuba, André Castilhas, disse que crimes desse tipo chegam ao conhecimento de seus agentes por intermédio de moradores do local, mas as vítimas não registram o ocorrido. “Esses casos vêm acontecendo em toda a Baixada Santista, mas, sem a queixa formal, fica difícil investigar e prender esses bandidos”, diz. A declaração do delegado é um claro apelo a quem é vítima dessa violência. 

img.jpg