Há muito a psicologia clínica indica que mudar as emoções diante de um evento é uma maneira eficaz de conseguir viver em paz com uma experiência dolorosa. Agora, a ciência confirma que a escrita não só é uma ferramenta importante nesse processo como pode alterar as respostas fisiológicas a doenças crônicas, melhorando o quadro de saúde de pacientes. Ao escrever os doentes tornam suportável uma experiência tida anteriormente como pesada demais. Ela passa a integrar a biografia de quem vive o trauma, abrindo o caminho para a recuperação, como se cada um reescrevesse sua história.

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Por essa razão, a chamada “expressive writing” (algo como expressão pela escrita, em inglês) ganha cada vez mais espaço na medicina. Na última semana, por exemplo, dois novos estudos reforçaram o poder do método. O primeiro, aliás, apontou uma evolução interessante. Cientistas da Universidade de Haifa, em Israel, descobriram que a técnica, quando usada em blogs pode ser tão ou mais eficaz que no papel. Os pesquisadores chegaram à conclusão após analisar a reação ao experimento por eles organizado com a participação de 161 adolescentes com ansiedade e fobia social. Os jovens foram divididos em grupos que receberam orientações distintas. Alguns, por exemplo, deveriam escrever em blogs abertos, com comentários, e outros, em blogs fechados.

Depois de dez semanas escrevendo pelo menos duas vezes semanalmente, todos apresentaram melhora na autoestima, na autoconfiança e na capacidade de se sentir confortável em situações sociais que evitavam antes de iniciar a prática da escrita. Mas aqueles que escreveram em blogs com espaço para comentários manifestaram melhora mais significativa. De acordo com os autores do estudo, as características da internet e das qualidades da “expressive writing” podem ser potencializadas no blog. “Ele fornece uma combinação única de espaço confortável para a autoexpressão com um ambiente de interação social”, escreveram.

O segundo trabalho, da Universidade de Waterloo, no Canadá, mostrou a eficiência da técnica no controle do peso. Nele, a psicóloga Christine Logel demonstrou que as mulheres convidadas a escrever sobre seus sentimentos e valores perderam, em média, 3,4 quilos, enquanto as que não participaram da oficina ganharam cerca de 2,7 quilos. “Escrever funcionou como um incentivo”, disse Christine à ISTOÉ. A pesquisadora observou que a escrita ajudou as participantes a se sentir bem com elas próprias na medida em que descreviam o que consideravam importante em suas vidas. “E elas não utilizaram a comida como escape”, explicou Christine.

“A escrita organiza o pensamento e facilita o autoconhecimento”
Solange Pereira Pinho, coordenadora de oficina de escrita terapêutica

De fato, um estudo da Universidade de Baylor (EUA) com 48 portadores de câncer de testículo revelou que escrever sobre as emoções relacionadas à doença acelerou a recuperação dos participantes. Como justificativa, os cientistas levantaram a hipótese de que, como a escrita auxiliou no controle do estresse ocasionado pela enfermidade, o sistema imunológico entrou em equilíbrio. Resultado: ele deixa de reconhecer como nocivos agentes inofensivos, causando complicações como alergias, e continua a luta contra a doença.

Outras pesquisas também demonstraram os efeitos positivos da escrita no tratamento de doenças infecciosas, como a Aids, e diversos tipos de câncer. A dona de casa Izabel Modesto de Araújo, 47 anos, de São Paulo, por exemplo, encontrou na escrita uma maneira de amenizar o sofrimento após passar por três cirurgias para retirar um tumor cerebral. No processo de recuperação, ela começou a escrever já na cama do hospital. Acabou escrevendo dois livros e mantém o hábito da escrita até hoje, já recuperada. “Mesmo nos momentos mais difíceis não precisei tomar antidepressivo”, conta. “Escrever é minha terapia.”

No Rio Grande do Sul, a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da seção brasileira da International Stress Management Association, organização internacional para o controle do estresse, indica a escrita terapêutica para pacientes que não conseguem lidar com o acesso de raiva. “Ela tem efeitos positivos naquelas pessoas com dificuldade de descrever a experiência sem se descontrolar ou ficar extremamente emocionadas.”

Não basta, entretanto, apenas escrever. “É preciso ter um propósito. A escrita organiza o pensamento e facilita o autoconhecimento”, diz a professora Solange Pereira Pinho, que comanda uma oficina de escrita terapêutica em Brasília. Isso é possibilitado porque, sob orientação correta, o paciente não somente descreve a reação ao evento, mas o que foi sentido no momento.

Também não é qualquer conteúdo que surtirá resultados positivos. Na literatura médica, as investigações do pesquisador americano James Pennebaker, que descreveu o poder da escrita terapêutica em “Abra o Seu Coração: O Poder da Cura Através da Expressão das Emoções” (Editora Gente), apontaram que escrever sobre os aspectos emocionais afeta a saúde positivamente, mas descrever apenas os fatos da experiência traumática pode surtir o efeito contrário.

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