Elas bem que poderiam ser modelos, mas rumaram por outro caminho. Acaba de ultrapassar a marca de dez mil o contingente de mulheres presas no Brasil por tráfico de drogas. Quase 80% delas guardam o mesmo perfil: jovens, bonitas e de classe média. A estatística faz parte de um levantamento conjunto da Polícia Federal, Departamento de Narcóticos de São Paulo e Ministério das Relações Exteriores ao qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade. Muitas dessas mulheres, para carregarem a droga, aceitam fazer incisões cirúrgicas no próprio corpo, escondendo sob a pele mercadorias ilegais como cocaína e ecstasy. Pelo serviço, de acordo com a quantidade transportada, recebem entre US$ 1 mil e US$ 15 mil. Pelo crime, considerado hediondo, são condenadas a penas que variam de três a 15 anos de prisão. Uma vez atrás das grades sobra a elas, em razão da beleza e das formas, concorrer aos concursos de presa mais bonita. Foi a opção da carioca Bárbara Freitas (foto abaixo), uma loirinha de 19 anos que foi flagrada tentando partir para a Europa com mais de 50 papelotes de cocaína em seu estômago. Ela chegou às finais do concurso de beleza do presídio Talavera Bruce, na zona norte do Rio de Janeiro. “Hoje em dia, de cada dez traficantes presos, oito são mulheres”, atesta o diretor-geral do Denarc de São Paulo, Emílio Françolin. “É por isso que os concursos internos estão cada vez mais bem disputados.”

Nos últimos anos, o número de mulheres recrutadas para o transporte da droga – as “mulas” – multiplicou-se por cinco. Esse fenômeno da feminização tem pelo menos três explicações. A primeira é a de que os traficantes acreditam que as jovens de boa aparência contam com maior condescendência da polícia durante eventos de fiscalização. Outra é a forte expansão, no Brasil, da máfia nigeriana. O grupo atua em associação com os produtores de cocaína na Colômbia. Seus integrantes se especializaram em recrutar belas brasileiras para, daqui, levarem cocaína para a Europa e, de lá, voltarem com comprimidos de ecstasy. É neste ponto que se encontra o terceiro motivo. Com a entrada em vigor, no ano passado, da Lei do Abate, que permite ao governo atacar aviões suspeitos de ilegalidades, os grandes traficantes resolveram pulverizar suas remessas de drogas. Tanto na entrada quanto na saída do País, os bandidos optaram por espalhar sua mercadoria entre viajantes que usam estradas e aeroportos, em lugar de lotar pequenos aviões com a droga. “Eles estavam amargando grandes prejuízos com os carregamentos únicos”, conta o chefe da Divisão de Narcóticos da Polícia de São Paulo, José Luiz Cavalcanti. “E trocaram os aviões de ferro e vidro pelos aviões de carne e osso”, compara, numa referência às mulheres bonitas. A ONU estima em US$ 70 bilhões/ano o movimento financeiro do tráfico de drogas no mundo.

No vai-e-vem da rota Brasil–Europa–Brasil, muitas vezes a polícia consegue prender, aqui, mulheres estrangeiras que tentaram desembarcar com a droga. Foi o caso da portuguesa Elisabeth Sardinha (foto abaixo), que chegava com mais de 200 cápsulas de ecstasy ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro quando foi interceptada. Ela venceu o concurso de beleza no qual a brasileira Bárbara concorreu. Também acontece, na ponta européia, de brasileiras serem flagradas no instante da chegada. Em razão dessas prisões, já passa de 500 o número de brasileiras em prisões européias sob a acusação de tráfico. O atendimento às famílias dessas presas vem aumentando consideravelmente nos guichês das embaixadas brasileiras no velho continente.

Mas como mulheres jovens e bonitas são seduzidas pelos traficantes? O empresário Everaldo José de Souza, um brasileiro que está ameaçado de morte pelo tráfico, aceitou contar a ISTOÉ o que sabe sobre o esquema de recrutamento – e não é pouco. Ele foi contratado como “mula”, mas resolveu entregar-se antes de passar pelo raio X do aeroporto internacional de Cumbica, em São Paulo. Cumpriu pena e, ao ser solto, passou a ser perseguido pelos antigos contratadores. Segundo Souza, desde o início deste ano a técnica de ingestão de drogas via oral, para o transporte ser feito com as cápsulas no estômago de quem as ingeriu, está sendo substituída pela implantação da mercadoria sob a pele da pessoa. Nestes casos, as mulheres alugam seus corpos para esconder a pasta da coca. Por US$ 15 mil, elas são contratadas para se submeterem a cirurgias incisivas, principalmente nas coxas e nos seios, nos quais se inserem grandes quantidades da “cavaleiro negro”, a mais pura das cocaínas. Essa droga é comprada no Peru ou na Colômbia por US$ 2 mil o quilo e revendida na Europa por US$ 100 mil. As intervenções cirúrgicas são feitas em clínicas clandestinas na Colômbia e na Bolívia. “Os aliciadores do tráfico ganham R$ 900 para cada mulher recrutada”, conta Souza. Segundo ele, esses aliciadores procuram shopping centers, filas de emprego e até portas de hospitais para, com pranchetas em punho, colher as primeiras informações sobre suas presas. Nesta operação, eles procuram identificar mulheres bonitas que sonhem conhecer o Exterior, mas sem dinheiro suficiente para a viagem, ou mães solteiras com filhos doentes e, ponto comum, sem recursos para resolver o problema. “Essas são as mulheres mais fáceis de serem convencidas”, garante.

Cálculos da polícia dão conta de que 94% das “mulas” estavam sem atividade regular remunerada antes de serem presas. Por isso, os contratadores enfatizam as desempregadas. Entre permanecer na rua e arriscar-se a dar uma guinada na própria vida, ainda que pelo caminho do tráfico, as estatísticas mostram que, cada vez mais, elas estão escolhendo a segunda opção.