À primeira vista, a idéia de se submeter a uma cirurgia com pouca ou nenhuma anestesia, apenas hipnotizado, é perturbadora. O medo de sentir dor ainda traumatiza o ser humano. Mesmo assim, essa escolha tem sido feita por um número cada vez maior de pacientes. Em centros como o Hospital de Liège, na Bélgica, e o London’s Middlesex Hospital, na Inglaterra, operações sob o efeito da hipnose já são rotineiras. No Brasil, a técnica está atraindo quem precisa fazer uma intervenção ou mesmo um exame mais desconfortável, como a ressonância magnética. Durante esse procedimento, é preciso que o doente fique imóvel por longos minutos, uma façanha para quem está ansioso para saber o que tem. Na Clínica Cedirp, de Ribeirão Preto (SP), 12 pacientes são hipnotizados por semana antes de passar pelo exame. “Anos atrás, eles eram raros”, conta a anestesista Cristiane Nogueira, que aplica a técnica.

Todo esse movimento é reflexo de uma espécie de volta triunfal da hipnose, método em que um especialista sugere ao paciente alterações nas sensações, percepções, pensamentos e no comportamento. Usada há milênios, a técnica experimentou altos e baixos ao longo da história e, durante um bom tempo, tornou-se apenas pretexto para exibições de entretenimento. Hoje, é uma ferramenta de trabalho usada na medicina, psicologia e odontologia. E uma das áreas nas quais ela é mais utilizada é no alívio da dor. Centros renomados como o Hospital das Clínicas e o do Câncer, em São Paulo, aplicam a hipnose para diminuir o sofrimento dos doentes. Nos Estados Unidos, o método é usado no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, um dos mais importantes do mundo. “Adotamos também para atenuar a dor de crianças”, conta Andrew Vickers, pesquisador da instituição.

O leque de aplicações é amplo. Vai da asma ao controle do peso, do tabagismo à insônia. Em Brasília, o dermatologista Roberto Azambuja adota a hipnose em pacientes com vitiligo, as manchas brancas no corpo que tanto incomodam o astro Michael Jackson. Em São Paulo, o ginecologista Osmar Colás, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), usa contra tensão pré-menstrual, entre outras situações. “Também faço para relaxar a mulher antes de colocar o dispositivo intra-uterino, o DIU”, conta. A secretária Lilian Fernandes melhorou de uma depressão com o recurso. “A impressão é que reassumi o controle das coisas”, conta. No hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, há um centro especializado. “Atendemos casos de distúrbios gástricos e hipertensão, entre outros”, diz Regina Cosentino, responsável pelo serviço.

O retorno da hipnose a instituições respeitáveis, com indicações para patologias tão distintas, está fundamentado em um conhecimento mais amplo do método. Sabe-se que o transe leva a um estado alterado de consciência que torna o indivíduo mais aberto a sugestões de mudança. Mágica? Não. Tudo indica que se trata de um fenômeno físico, como revela um dos últimos estudos sobre o tema. O trabalho, feito na Universidade de Columbia (EUA), mostra que o funcionamento do cérebro sofre profundas modificações na maneira de processar as informações durante o transe. As sugestões do hipnotizador mudam o que as pessoas vêem, ouvem, sentem ou acreditam ser verdade. “Pode-se ativar a área que processa a dor sem que o doente tenha passado por estímulos dolorosos. Ele também sentirá calor ou frio, caso seja induzido a isso. E, teoricamente, poderá deixar de ter essas sensações”, diz Amir Raz, autor do trabalho.

Essa condição ajudaria a explicar o mecanismo de ação do método. No alívio da
dor, a sugestão estimularia a fabricação pelo corpo de substâncias analgésicas.
“E o bom é que esses compostos não causam os efeitos colaterais dos remédios”, afirma José Oswaldo de Oliveira Jr., do Hospital do Câncer. Em relação às doenças cujas crises podem ser agravadas por stress, como asma e síndrome do pânico,
a hipnose auxiliaria a gravar no cérebro uma forma mais serena de reagir às situações desgastantes. Ou a lidar de outra maneira com fatos do passado
ligados ao problema.

Mas os cientistas querem saber mais. Na Suíça, pesquisadores da Universidade de Basiléia mostraram que a técnica diminui os sintomas da rinite. Em Israel, a Universidade Soroka verificou que a hipnose pode auxiliar mulheres em tratamento para ter filhos. Na Universidade de Innsbruck, na Áustria, constatou-se que o método é eficiente para acalmar crianças em exames urológicos. Nos Estados Unidos, estudiosos da Universidade de Harvard perceberam que a hipnose acelera a cicatrização e a consolidação de fraturas. “Os pacientes também manifestam menos dor e infecções”, conta a psicóloga Carol Ginandes.

Outros trabalhos mostram o poder para controlar sintomas da síndrome do intestino irritável, doença caracterizada por dores no abdome, dificuldade para evacuar ou diarréia. Um dos mais recentes foi feito na Universidade de Manchester, na Inglaterra. “Cerca de 70% dos doentes melhoraram”, assegura Peter Whorwell, coordenador do trabalho. Por aqui, o esforço se concentra no setor de Hipnologia da Unifesp. “Queremos entender o que acontece no corpo durante o transe”, afirma o pesquisador Mohamad Bazzi.

Mas, apesar do crescimento, não há consenso absoluto. “Trate um infarto com hipnose para ver o que acontece”, alfineta Antônio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. De fato, o método não pode nem deve ser encarado como solução para tudo. Mesmo os adeptos ressaltam que a hipnose deve ser vista como mais um recurso e usada em conjunto com as ações convencionais. Ela também não serve para doentes com distúrbios como esquizofrenia ou autismo. “Eles não se concentram num pensamento”, explica o psiquiatra Joel Priori Maia, presidente da Sociedade Brasileira de Hipnose.

No Brasil, só médicos, dentistas e psicólogos treinados por entidades qualificadas podem usar a técnica. “Esse cuidado é decisivo”, alerta a psiquiatra Sofia Bauer, de Belo Horizonte. O caso da consultora de marketing Sandra de Silva, de São Paulo, serve de exemplo. Na tentativa de deixar o cigarro, ela submeteu-se a uma sessão com um terapeuta sem formação. Não deu certo. “Ficamos três horas tentando. Ele disse que não entendia o que acontecia comigo”, lembra ela, que não quer mais repetir a experiência. Hipnose, de fato, pode ser útil. Mas a lei número 1, neste trabalho, é entregar o cérebro e seus caminhos misteriosos a um profissional responsável.