chamada.jpg
SUSPEITA
O Nobel chileno morreu no hospital, 12 dias após o golpe
que depôs Salvador Allende. Abaixo, o túmulo em Isla Negra

img.jpg

"Saudade é o inferno dos que per­deram/é a dor dos que ficaram para trás/é o gosto de morte na boca dos que continuam…" Os versos de Pablo Neruda despertam o lirismo da nostalgia, mas servem também para espelhar a virulência da polêmica que tomou conta do Chile desde a semana passada. O Partido Comunista local pediu a exumação do corpo do poeta por acreditar que ele foi assassinado por agentes da ditadura do general Augusto Pinochet. Oficialmente, o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura morreu aos 69 anos por conta de um avançado câncer de próstata em uma clínica de Santiago, 12 dias após o golpe militar que depôs o presidente socialista Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973.

O chofer do poeta, Manuel Arraya, testemunhou à Justiça chilena ter visto um médico aplicando uma suposta injeção venenosa em Neruda. Ainda no inquérito aberto em maio deste ano, consta a declaração do diplomata mexicano Gonzalo Martinez de que o escritor estava bem e fazia planos para o exílio um dia antes de morrer. “A dúvida é esta: se aplicaram dipirona (analgésico) para amenizar as dores, como afirmou o médico da clínica, ou lhe injetaram veneno, como testemunha o motorista. A única maneira de esclarecer isso é fazendo uma exumação”, afirma Eduardo Contreras, advogado do Partido Comunista do Chile. Milhares de pessoas acompanharam o cortejo fúnebre sob o cerco dos militares. “A população cantava hinos socialistas e declamava versos. Eu cheguei a chorar”, relembra o fotógrafo brasileiro Evandro Teixeira, único a conseguir uma imagem do artista morto. Os restos mortais de Neruda estão sepultados em sua casa na Isla Negra, onde funciona um museu.

O juiz Mario Carroza, que preside o processo, considera plausível a hipótese de assassinato, já que Neruda no exílio representaria uma “situação difícil” para Pinochet. Mas a posição do magistrado está longe de representar uma unanimidade. “A exumação do cadáver seria uma profanação”, diz o presidente da Fundação Neruda, Juan Agustin Figueroa. Amigo de Pablo Neruda, de quem traduziu versos, o poeta amazonense Thiago de Mello visitou o chileno 20 dias antes de sua morte e também se revela cético. Ele afirma que Neruda já estava muito debilitado, e a mulher dele, Matilde, exercia uma vigilância constante sobre ele. “Eu duvido da dúvida do Partido Comunista, mas acho que ele tem o direito de tentar esclarecer o assunto”, afirma. Estima-se em 3 mil pessoas, entre mortos e desaparecidos, as vítimas da ditadura chilena, que durou até 1990. 

img1.jpg

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias