A cena acontece numa praia. A princípio, a imagem pode passar a impressão de uma família feliz. A mãe tenta brincar com o bebê na beira do mar, enquanto o avô coruja filma o episódio. A atitude materna é em vão. A criança não interage e tem o olhar perdido no horizonte. Seu avô percebe a situação. Para evitar ver o que não quer, ele vira a câmera em direção ao mar. Na verdade, o filme mostra como uma criança autista lida com o mundo. Ou seja, como ela não consegue se envolver com o que está ao redor. O problema atinge um a cada dez mil pequenos. Para alguns especialistas, está relacionado a alterações no funcionamento cerebral. Para outros, a síndrome tem origem nas dificuldades de relacionamento entre mãe e filho, dependendo da vulnerabilidade da criança. Entre os principais sintomas, estão a dificuldade em se integrar ao ambiente e não gostar de contato físico.

Sinais – Porém, o objetivo do vídeo vai além de retratar as reações de um autista. Sua meta é ensinar os médicos a diagnosticar o mal precocemente, em bebês de dois a três meses. Esse é um dos maiores obstáculos enfrentados pelos especialistas, justamente pela dificuldade de se perceber sinais da síndrome nessa fase. O método baseado no uso de cenas reais foi criado pela psicanalista brasileira Marie-Christine Laznik, radicada há cerca de 30 anos em Paris e dona de larga experiência no assunto. Na sexta-feira 30, ela fará uma apresentação sobre o tema no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. O evento é uma prévia de um curso que será realizado em janeiro na instituição e que também abordará outros temas, como depressão em bebês.

A iniciativa é do Instituto de Ensino e Pesquisa e do departamento de pediatria do hospital. A palestra de Marie será dirigida principalmente aos pediatras, pois há seis anos ela treina os profissionais na França. “É interessante porque é o médico que tem um contato próximo com a família e poderá ajudar no diagnóstico”, diz Luiz Celso Vilanova, neuropediatra da Universidade Federal de São Paulo. A programação também é aberta ao público em geral. Para montar o programa de diagnóstico, o primeiro passo de Marie foi fazer uma parceria com alguns hospitais de Paris e de outras cidades européias para que os pais recebessem uma filmadora ao saírem da maternidade. Eles filmam o dia-a-dia da criança e se comprometem a enviar uma cópia do filme ao hospital quando o bebê completa três meses. No vídeo, é possível detectar sinais que revelam risco de desenvolvimento do autismo. A ausência de troca de olhares entre a mãe e o bebê é um deles. Com a ajuda dos vídeos, os médicos são treinados a identificar reações que podem ser sintomas do problema. Para o psiquiatra Francisco Assumpção Júnior, do Hospital das Clínicas de São Paulo, essa forma de diagnóstico é interessante. Mas é preciso ficar atento. “Muitas vezes é possível confundir o autismo com outras síndromes e doenças, pois seus sinais são parecidos com os apresentados por outros problemas”, ressalva.

Integração – Apesar dessa dificuldade, o fato é que o diagnóstico precoce é fundamental contra o autismo. Quanto mais cedo ele for detectado, melhor. O ideal é que o tratamento seja feito por equipes multidisciplinares, incluindo psicólogos e fonoaudiólogos. O trabalho será feito de acordo com as dificuldades de cada um e o objetivo é integrar o autista na sociedade. A terapia precisa ser individual. Todo autista, por exemplo, apresenta dificuldades de relacionamento com outras pessoas. No entanto, se forem tratados corretamente, além de melhorar o relacionamento social, são capazes de ler, trabalhar e alguns podem ter, inclusive, capacidades surpreendentes, como resolver cálculos difíceis ou possuir memória auditiva invejável. Remédios são usados contra os sintomas. “Podemos indicar drogas contra convulsões, por exemplo”, diz Abram Topczewski, neuropediatra do Einstein.

Muitas vezes a recuperação também é realizada por entidades assistenciais. Na Associação dos Amigos da Criança Autista (Auma), em São Paulo, é montado um programa para desenvolver as habilidades. Uma das formas de fazer isso é organizar a rotina do autista, pois às vezes eles não se lembram de fazer tarefas do dia-a-dia, como escovar os dentes. “Os familiares têm papel importante para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas”, comenta a assistente-social Eliana Boralli Lopes, fundadora da entidade e mãe de uma filha autista.

Conquista possível

“Quando minha filha Nathália Boralli Lopes tinha três anos, descobri que ela era autista. Na época, pouco se sabia sobre a síndrome. Procurei várias associações que tratam do problema para colocá-la, mas não havia vaga. Esperei por quatro anos, e nada. Resolvi montar a minha própria. Estudei muito sobre o assunto e aprendi bastante, o que me ajudou a lidar com ela. Hoje com 15 anos, ela está muito bem. É independente. Come, se veste, toma banho sozinha e lê tudo. Ela é a prova de que um bom trabalho tem resultado.”
Eliana Boralli Lopes, assistente social e fundadora da Associação dos Amigos da Criança Autista, em São Paulo

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