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Lugares paradisíacos se transformam ao longo de 180 dias em um cenário de matança. Do lado vilão, que pena, está o homem. Do lado vítima, que pena, uma das espécies mais inteligentes, brincalhonas e que se mostram muito amigas de seu algoz: os golfinhos. Vinte e seis pescadores em 13 barcos os encurralam aos milhares em uma pequena enseada e os matam com arpões e facões. A angra de 4,6 metros quadrados na pequena cidade japonesa de Taiji se torna vermelha, de sangue, é claro. “Os caçadores se vestem com roupas de borracha escura que têm cauda semelhante à dos golfinhos. É triste ver os animais se aproximarem para brincar e ser capturados. É uma perversa estratégia”, diz Ric O’Barry, famoso biólogo americano que treinou durante cinco anos os golfinhos da série de televisão “Flipper”. Ele perseverou por oito anos na perseguição a pescadores japoneses para gravar um documentário sobre a crueldade da caça a esses mamíferos. Apesar de essa prática ser ilegal na maioria dos países, ela é lícita no Japão em nome de sua cultura e economia. Por determinação do governo japonês, no entanto, procura- se esconder do mundo os métodos empregados. “Não foi fácil conseguir filmar tudo o que vi”, diz O’Barry, que lançou na semana passada o documentário “The Cove”.

 

Todos os anos, no dia 1º de setembro, abre-se no Japão uma nova estação de caça a golfinhos e repetem-se em todo o mundo os protestos de ambientalistas. No curso da temporada, cerca de 23 mil animais são capturados com vida e podem ou não ser abatidos – cada peça de um golfinho vale US$ 500 nos mercados de Taiji, cidade de três mil habitantes. Outro destino para esses animais é vendê-los vivos por mais de US$ 30 mil, cada um, aos parques aquáticos da Coreia do Sul e dos Emirados Árabes. A americana Diana Reiss, pesquisadora do comportamento animal no Hunter College e famosa pela descoberta de que golfinhos conseguem se reconhecer em espelhos, tem coletado assinaturas de cientistas para uma petição que planeja apresentar à secretária de Estado, Hillary Clinton. Diana não pede, exige o fim da caça. Diferentemente de outros países que baniram a caça não só aos golfinhos, mas também às baleias, o Japão continua a permiti-la. Há dez mil anos o fim da era glacial tornou o país um arquipélago, que está cada vez mais dependente do mar por causa do crescimento populacional. “Praticamente toda criatura marinha comestível é explorada como alimento”, diz o antropólogo e especialista da cultura pesqueira japonesa Theodore Bestor, da Universidade Harvard. Baleias e golfinhos estão arraigados na culinária, cultura e religião japonesa.

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“Há anos o Japão explora toda criatura marinha. No país isso não é cruel”
Theodore Bestor, antropólogo

“A ciência precisa transcender as fronteiras culturais”, diz Diana. A partir de testes feitos em laboratório, ela defende a teoria de que os golfinhos constituem uma espécie extremamente inteligente e sensível. “Escutei gravações feitas durante a caça em Taiji e posso garantir que eles emitem sofisticados avisos de aflição”, diz ela. Esse é um trecho do documento que Hillary lerá. A Associação Mundial de Zoológicos e Aquários (Waza), com sede na Suíça, proibiu seus membros de adquirir golfinhos de Taiji. A Associação de Zoológicos e Aquários do Japão a integra, mas o problema é que a maioria dos aquários japoneses não faz parte sequer de sua associação nacional. Gerald Dick, diretor da Waza, conversou com diversos diretores de aquários japoneses e disse que é difícil convencê-los a parar de comprar golfinhos de Taiji, já que o custo é bem menor do que o dinheiro que ira se gastar para reproduzi- los em cativeiro. “O Japão não enxerga a caça como algo particularmente cruel”, diz ele.